sábado, 28 de abril de 2012

Endividado por não crescer, ou sem crescer por estar endividado?

Nicolau Santos comenta no Expresso Economia (28 abril) sobre a dívida (portuguesa) e as crises soberanas. E recorda Reinhart e Rogoff (R&R):
  • Se (R&R) estão certos (no sentido em que países com dívidas públicas acima dos 90% têm o crescimento comprometido), então Portugal, cuja divida pública está agora nos 107% do PIB, não tem nenhumas condições de voltar a ter crescimentos acima dos 2% durante esta década, o que agravará todos os nossos problemas.
Reinhart (da U. Maryland) e Rogoff (da U. Harvard) têm publicado abundantemente à volta das relações entre dívida soberana e crescimento, e são muito citados, tendo acumulado centenas de citações em pouco tempo. Num post no voxeu.org, "Debt and growth revisited" (11 agosto 2010). R&R sumariam o exercício de mais de 2000 registos de vinte países desenvolvidos no período 1790 a 2009. Na figura seguinte sumariamos a conclusão mais importante: quer a média como a mediana para cada classe de nível de crescimento anual (%PIB) sugerem uma correlação negativa entre endividamento e crescimento: quando o endividamento é inferior a 30% do PIB, o crescimento andou pelos 3.5 a 4 %, mas quando o endividamento é superior a 90% PIB, o crescimento andou pelos 1.5 a 2%.


Correlação não é casualidade, mas depois de explorarem os dois sentidos possíveis, R&R concluem pelo sentido endividamento causa baixo crescimento, e retiram da análise importantes consequências sobre políticas económicas:
  • For many if not most advanced countries, dismissing debt concerns at this time is tantamount to ignoring the proverbial elephant in the room.
Krugman, num post de agosto de 2010, é um dos que levantou  dúvidas sobre a causalidade sugerida por R&R entre dívida e crescimento (no sentido de que a causa de uma nível elevado de dívida é a causa de um baixo crescimento da economia), e salienta a importancia que esses trabalhos têm tido na construção das políticas pró-austeridade:
  • In practice, the article has been widely used to claim that there’s a red line of 90 percent in the public debt to GDP ratio that one crosses at one’s peril.
Trabalhos recentes têm levantado dúvidas sobre a causalidade dívida / crescimento. Na realidade a figura anterior pode também ser "lida" como sugerindo uma causalidade reversa da defendida por R&R: baixo crescimento da economica cria endividamento - uma narrativa também muito plausível. Os italianos Hugo Panizza (da UNCTAD) e A. Presbitero (da U. Politécnica de Marche) levantaram em trabalho recente (2012) dúvidas sobre a causalidade proposta por R&R: 
  • To answer the question "Do high levels of public debt reduce economic growth?" we follow the econometric procedure of trying to reject the proposition that “debt has no growth effects”. Our research shows that this proposition cannot be rejected, so it may well be that it is true. We cannot, however, be sure.
  • we do not find any evidence that high public debt hurts future growth in advanced economies.
  • Therefore, given the state of our current knowledge, we believe that the debt-growth link should not be used as an argument in support of fiscal consolidation.
Estes autores fazem assim o ponto de situação sobre a controversia da causalidade divida / crescimento:
  • Our reading of the empirical evidence on the debt-growth link in advanced economies is:
    • There are many papers that show that public debt is negatively correlated with economic growth.
    • There is no paper that makes a convincing case for a causal link going from debt to growth.
    • Our new paper suggests that such a causal link does not exist (more precisely, our paper does not reject the null hypothesis that there is no impact of debt on growth).
Claro que não argumentam que o crescimento da dívida possa ser sempre sustentável, mas sugerem uma importante consequência:
  • The fact that we do not find a negative effect of debt on growth does not mean that countries can sustain any level of debt. There is clearly a level of debt beyond which debt becomes unsustainable, and a debt-to-GDP ratio at which debt overhang, with all its distortionary effects, kicks in. What our results seem to indicate, however, is that the advanced economies in our sample are still below the country-specific threshold at which debt starts having a negative effect on growth.
O que isto significa é que pode ser possível o crescimento mesmo com níveis elevados de endividamento. O que não é nenhuma surpresa: no passado países como a Itália ou a Grécia conheceram períodos de crescimento interessante mesmo com elevadíssimos níveis de endividamento (acima dos tais de 90% de R&R). Na realidade sem a crise de identidade do euro, e a inflexibilidade de uma união monetária sem partilha de responsabilidades, as taxas de juro da divida soberana provavelmente nunca teriam explodido para os chamados países periféricos, tal como aconteceu.
O prognóstico de Nicolau Santos pode não ser tão inevitável como sugere, pelas razões que sugere.
Mas se a causalidade afinal for reversa (ou seja: se o endividamento elevado for causado por baixos crescimentos) então o que está a acontecer em Portugal, e não só, é verdadeiramente catastrófico e criminoso: à procura de reduzir à força e à bruta o deficit público está-se a provocar uma forte recessão economica, com crescimentos negativos da economia, de que resultará então um inevitável aumento da dívida pública, então para níveis totalmente insustentáveis.

Atualização, 28 Julho 2012: Martin Wolf faz uma relevante discussão das teses de R&R sob o ponto de vista de política económica, em Objections to providing fiscal support for deleveraging no seu blog no FT. Apesar de pouco desejavel, a divida publica pode não ser tão indesejavel ou perniciosa como querem fazer crer, em especial em situações de "liquidity trap".
  • It is therefore quite possible to get out of debt by going into it, because they are not the same debtors. And the distribution of the debt, not its level, is what matters.
E desmonta as conclusões de um dos últimos artigos de R&R: Debt overhangs: past and present (Abril 2012):
  • the conclusion one cannot draw is that public debt must be kept below 90 per cent of GDP, whatever the cost. Struggling to keep debt below 90 per cent of GDP might be far more costly than letting debt rise above that threshold.
  • The authors probably do not wish to argue that the UK should not have fought World War II because it led to excessive public debt (peaking at close to 250 per cent of GDP). 
  • Again, if the government’s borrowing was aimed at reducing the economic impact of private sector deleveraging, the economic costs of keeping debt below 90 per cent, instead, could well exceed the costs of allowing debt to rise above it. The authors do not analyse such counterfactuals.
  • In the case of Japan, for example, it seems quite plausible that a collapse in growth opportunities after 1990 also lowered investment opportunities. This then generated long-lasting financial surpluses in the corporate sector, whose counterparts were high fiscal deficits. The causality would then indeed go from poor growth opportunities to high public debt, rather than the other way around.
  • Again, let us accept that very high public debt ratios may create problems. None the less, the period after the Napoleonic War was when the UK began its industrial revolution and the post-war period was one of good economic performance, in both the US and UK. The conclusion is that high debt can be perfectly manageable in countries that know how to manage it.
  • It is all about timing. While the private sector is deleveraging and so running large financial surpluses, large fiscal deficits are necessary, provided they can be sustained, as they certainly can be in the US. Once the deleveraging is finished and the economy recovers, the fiscal deficit will need to be closed. The key is to introduce policy commitments on taxes and spending that make a closure of the deficits credible.
(Itálicos da nossa responsabilidade)

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