sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Histórias de Natal

1. O ministro da defesa não foi visitar os tropas em missão fora de Portugal, quebrando uma tradição. É claro que isso é um incómodo e uma chatice, ainda por cima numa altura em que há tanta coisa natalícia (incluindo as prendas) a tratar por cá.
A desculpa pública dada para isso é um insulto ás tropas e aos portugueses: poupar o dinheiro da viagem. Se fosse verdade que já não há dinheiro para uma viagem de soberania nestas circunstancias, então já não existe país ... E nesse caso poupar-se-ia mais se não se mantivessem tropas no exterior - naquilo que é um dos mais importantes e bem sucedidas atividades das forças armadas portuguesas. Se não há dinheiro para se visitar esses homens e essas mulheres - como se compreende que haja dinheiro para todas as outras viagens do poder?
Na realidade o problema é outro: um governo que não viaja (especialmente para Bruxelas e outras capitais europeias) porque parece não saber como o fazer.
Este ministro já nos tinha sugerido a "fotografia do ano" (ver aqui). Agora esta é sem dúvida a "não viagem do ano".

2. O prmeiro ministro disse no facebook aquilo que não teve coragem para dizer no discurso oficial: "Este não foi o Natal que merecíamos". Espantosa admissão de culpa - mas sem pedido de desculpas.
Recordo que foi este (candidato a primeiro ministro) que pedíu desculpas por apoiar no parlamento umas medidas do anterior governo que eram uma brincadeira comparadas com o que está a acontecer, e desta vez ainda por cima da responsabilidade dos seus próprios erros de governação.
Este é o primeiro ministro que está a dar cabo dos pequenos empresários da restauração com a subida do IVA - mas que lutou denodadamente por não aumentar o IVA do leite achocolatado, antes e agora.

3.  Uma bela história de Natal na SIC: a familia Pereira, 3 jovens músicos e a familia simples e modesta que os lançou do extremo norte de Lanhelas para os grandes centros e orquestras de musica portuguesas, em Lisboa. Uma história exemplar de "upward mobility" com talento e com muitos sacrificios.
Quando se compara esta história com a ascensão profissional e política do primeiro ministro e de outros colegas do governo, sente-se uma perturbante emoção.

BES, Akoya e o radioso sol angolano (mas não só)

Afinal de contas, que confiança é que se pode depositar em Ricardo Espírito Santo e no seu banco (BES) e no seu grupo empresarial?
Ao longo das últimas décadas tem sido o "banqueiro do regime" e dos vários governos, fossem quais fossem as suas cores. Hábil em flutuar no mundo agitado das águas da política, foi sempre flutuando e com isso arrecadando magnificos negócios na área pública ou para-pública. Sempre com a mais respeitosa e respeitável aparência de senador.
Mas as ultimas notícias são verdadeiramente alarmantes. O BES já tinha estado envolvido anteriormente em muitos casos dúbios na área para pública (lembram-se daqueles tais sobreiros?, por exemplo). Mas agora está bem claro que
- o banqueiro depositou ilegalmente capitais no estrangeiro, que agora repatriou e de que pagou as multas e coimas que foram precisas para se livrar de ações penais (ver aqui, noticia do Expresso on line). Isso só foi conhecido em consequência das investigações sobre a Akoya e o banqueiro apenas retrocedeu em face de ter sido aberta a investigação do caso Monte Branco. Falta saber quantos mais casos é que o banco, ou porventura uma pouca conhecida sociedade de consultadoria do grupo, ajudou a expatriar ilegalmente capitais através da mesma sociedade suíça com quem afinal parece que as ligações do BES & Cª são muito mais profundas e eloquentes do que se conhecia.
- o envolvimento da Akoya e do BES com esse tal "empresário angolano" Madaleno, Familia & Ca, através do Sol (e da Cofina) é agora manifesto e público (ver aqui, notícia do Púbico on line), assim como é público o interesse dessas entidades sobre a dita privatização da RTP, "the next big thing" em negócios á custa do erário público - ou seja, o banqueiro tem trabalhado bem e adubado cuidadosamente o terreno para mais um grande negócio para-publico á custa do poder da altura (será que sem contrapartidas?).
Esta última noticia no fundo mostra uma relação clara (porventura menos direta mas não menos eloquente) entre o grupo ES e os tais suiços da Akoya, através desses Madalenos, pontas de lança do BES em Angola.
Que um dos banqueiros mais importantes do país esteja assim "atascado" neste mar de lama (não) é surpreendente, mas seguramente é arrepiante.
Uma pergunta óbvia: pode uma pessoa nessas circunstancias continuar a ter licença do Banco de Portugal quanto a idoneidade pessoal para gerir um banco - ainda por cima um dos mais importantes do país?
É manifesta o cuidado e a reserva com que alguma comunicação social evita falar destes casos. Porquê?

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

TAP: um grande problema

1. Apesar do spin que o governo procura fazer nos media, a verdade é que o desfecho do processo de privatização da TAP é um fiasco e uma trapalhada. A realidade foi mais forte que o voluntarismo de privatizar "custe o que custar" a contraciclo da conjuntura.
Um fiasco porque não conseguiu vender a empresa, apesar das expectativas anteriormente criadas.
Uma trapalhada porque se fica com a sensação que o governo tentou evitar o falhanço da operação a dois tempos: num primeiro tempo agarrando-se á única proposta que tinha para mostrar que a operação não era um fiasco, e agora num segundo tempo, e perante a pressão de alguma opinião pública, tira o tapete ao grupo colombiano, na realidade com medo de assumir as responsabilidades de entregar a empresa ao candidato comprador e do que poderia acontecer, quer sob o ponto de vista financeiro como, acima de tudo, empresarial.
(Se o que candidato comprador está a dizer a verdade, o argumento anunciado de falta de garantias, etc, parece uma trapalhada dentro da trapalhada - espera-se que isso se esclareça).

2. Com esta decisão, o governo ficou com uma batata muito quente nas mãos. Já se percebeu que assegurar o funcionamento da empresa nos próximos meses vai exigir recursos financeiros significativos e degradar o valor da empresa.

3. Muito do discurso contra a privatização da TAP é pura treta e justifica-se por puras razões ideológicas e de oportunismo político. A empresa é tudo menos uma "jóia da coroa" ou um "recurso estratégico" do país. Na realidade é (e será) uma colossal máquina de queimar dinheiro, com brutais necessidades de investimento a curto prazo e grandes buracos previsíveis nas próximas contas de resultados.
A ideia que Portugal precisa de uma empresa de bandeira é muito difícil de aceitar. Veja-se o caso da Ibéria (em Espanha). A vulnerabilidade das empresas de bandeira à negociação sindical é mais do que óbvia.
Turismo? As low cost são hoje em dia muito mais importantes para isso do que a TAP. Brasil e PALOPs? Haja movimento rentável (e há) e não deixará de existir oferta - porventura até com melhores preços para os consumidores.

4. A verdade é que infelizmente a TAP vale muito pouco - ou nada. Essa é a lamentável realidade.
Não deixa de ser sintomática a falta de interesse do mercado pela operação. O governo precisa de rápidamente voltar ao processo de venda - ou corre o risco da batata quente lhe rebentar nas mãos e ver-se mesmo na situação delicada de poder ter que vir a liquidar a empresa.

5. A solução mais interessante é que a TAP fosse parar ás mãos de um bom operador, que trouxesse investimento e acima de tudo qualificação para as operações da empresa. Digamos que uma Lufthansa ou semelhante seria uma solução desse tipo. Este argumento (recursos financeiros, "expertise" e lideres na tecnologia, com conhecimento avançado no setor) foi muitas vezes invocado (e bem) por este governo, no seu inicio, para justificar o seu programa agressivo de privatizações - mas progressivamente foi esquecendo a cartilha á medida que ia privatizando como conseguia sem conseguir aqueles objetivos.

6. Infelizmente há uma coisa que anos e anos a viajar me ensinaram: a anedota de "take another plane" tinha, e continua a ter, infelizmente, muito de verdade.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Ministro Gaspar vs. estado social

O ministro Gaspar diz (uma vez mais) que “Não é possível financiar funções do Estado que a sociedade não está disposta a pagar” (ver aqui).
Certamente que há limites para tudo e o orçamento de estado não é um poço sem fundo. Essa não é a questão.
Mas parece haver um consenso na sociedade portuguesa: os portugueses querem o estado social que andam a construir á décadas, mesmo compreendendo que há limites - o dinheiro em condições normais pode chegar para as prestações sociais, se não existir o desemprego atual, se a reestruturação dos custos do estado for feita e acima de tudo se a economia não estiver no continuado clima recessivo em que se encontra.
A questão é outra: os portugueses não aceitam uma economia como ela está e não podem aceitar que o dimensionamento do estado social seja feito em referencia a esta situação anómala.
Não são os portugueses que querem demais do estado. O ministro é que não é capaz de responder aos desafios da sociedade.
Os erros de Gaspar & Ca. já levaram o país a uma espiral deflacionária e a uma colossal carga fiscal, que ele próprio considera insuportável. Mas em vez de fazer aquilo que se espera dele - lutar por pôr a economia a crescer - limita-se a chorar e a atirar a culpa para os portugueses que não lhe equillibraram as contas como o modelo previa.
Não é na situação depressiva e calamitosa da economia portuguesa (em parte da responsabilidade das políticas governamentais no ultimo ano) e da política europeia na zona euro (responsabilidade coletiva dos países europeus, especialmente dos países liderantes) que se pode discutir o modelo social do estado, algo que é para décadas e não para amanhã e depois.
As farpas que o ministro gosta de lançar aos portugueses, e que disso parece fazer gala, não são "dizer a verdade". São antes uma confissão pública da incapacidade técnica e política deste ministro.

Circula por aí uma história: este ano não há presépio. Vieram dois reis magos (Balatzar e Melchior) que construíram o presépio. Depois veio o terceiro - Gaspar - que levou tudo, e ficamos sem presépio.
Parece que é isso que está a acontecer.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Uma colossal crise da couve

1. Acabo de ver o programa “Quadratura do Circulo”. Espantoso como se chegou a uma situação de unanimidade dos três protagonistas do programa na avaliação da crise governamental, e como todos estão de acordo que este governo chegou ao fim e não tem qualquer futuro. E todos parecem estar mesmo muito preocupados com a dificuldade em encontrar alternativas governativas no atual contexto político, social e económico. A situação parece ser mesmo desesperada. As trapalhadas das ultimas semanas foram desastres sucessivos em cima de políticas desastrosas.
A necessidade do combate em Bruxelas e o reconhecimento de que o memorando da troika perdeu atualidade e precisa de ser renegociado porque deixou de estar adequado ao desastre que entretanto aconteceu em consequência das politicas governamentais deste ultimo ano, são ideias que parecem também ter reunido consenso no referido programa.
Algures na discussão Pacheco Pereira respostou a Lopo Xavier se achava que uma grande e enorme couve podia dar boas e belas maçãs, ou coisa do género, isso acerca da possibilidade de regeneração ou mudança de politicas pelo atual executivo. Como é óbvio, a couve referia-se a Passos Coelho & Cª (Miguel Relvas aí incluído).
A falta de qualidade do pessoal político deste governo é bem patente e conhecida - incluindo o ministro das finanças. A imaturidade política, a superficialidade ideológica e a impreparação técnica criaram uma mistura explosiva.

2.As reportagens do Publico sobre as negociatas da Tecnoforma (aqui e aqui) são importantes por aquilo que revelam sobre o carácter e a (falta de) experiencia profissional de Passos Coelho & Cª, assim como da cultura e dos métodos a que estavam habituados a cultivar. Têm o mérito de expor as contradições e vulnerabilidades da atual liderança do governo.
Em primeiro lugar, sob a capa de um discurso partidário contra o Estado e a favor do privado, sempre a falar do “despesismo” do Estado, afinal de contas essas criaturas dedicavam-se a ganhar dinheiro, ou a ajudar a ganhar dinheiro, e a fazer negócios à custa do Estado e para isso recorriam aos jogos de poder e de influencias nos corredores dos amigos no Estado (e no partido). Os arautos do neoliberalismo fizeram-se na pior escola do governamentalismo.
Em segundo lugar, o mercado que conheciam e dominavam não era o duro mercado da realidade económica e empresarial, mas sim o das negociatas à sombrinha do Estado e do partido, procurando sacar uns dinheiros dos programas de apoio às autarquias através de propostas de ações de formação mais ou menos inúteis. Os grandes defensores do privado afinal fizeram-se num privado pensado para ganhar à custa das fragilidades do sector publico.
Como pode gente desta lidar com a difícil situação política dos tempos que correm? Como se pode esperar que esta gente tenha estofo, carácter, competência e experiencia para liderar e coordenar um governo real em tempos de séria crise?
E não admira que a formação do governo tenha sido o seu primeiro grande desastre: a sua forma (estrutura) e muitas das pessoas (incluindo o ministro das finanças) espelham a incompetência técnica e política de uma liderança sem experiencia séria de política nacional e internacional. Não bastam boas intenções nem sucesso no controlo da máquina partidária.
A colossal falta de qualidade da atual geração de políticos (incluindo também muitos do PS) é uma das grandes tragédias e desafios do Portugal contemporâneo.

3. E se os relatórios das tais ações de formação, assinados pelo atual primeiro ministro, tiverem “massajado” os números para sacar mais umas guitas ao Estado - como a reportagem do Publico sugere que aconteceu? Que autoridade pode ter um tal primeiro ministro para pedir honestidade e rigor aos contribuintes portugueses, mesmo que recorra a indignados discursos de virgem enganada? E perante estas denuncias, e os testemunhos identificados, pode o Ministério Público ficar indiferente?

4. Foi preciso uma voz estranhamente livre como Helena Roseta para despoletar a investigação do jornal sobre aquilo que era um segredo de Polichinelo e sempre se ouviu sussurrar nas conversas de café. Isso diz muito sobre o Portugal de hoje e sobre o jornalismo de hoje. Ou terão sido também umas contas que precisavam de ser ajustadas entre a liderança do executivo e o jornal?

5. O Presidente da República está também ele metido até ao pescoço numa situação em que tem responsabilidades, e que agora terá provavelmente que resolver com mais do que mensagens subliminares ou recados pelos jornalistas ou pelo facebook. É pena que entretanto tenha alienado a confiança de uma boa parte dos portugueses com o seu comportamento político nos últimos anos.

6. O discurso da irresponsabilidade fiscal dos anteriores governos, em que o primeiro ministro se refugia constantemente para tentar ignorar que também assinou o memorando da troika e que depois prometeu o que prometeu na campanha eleitoral, é uma prova pungente da sua falta de responsabilidade e de clarividência política, numa altura em que já nem Merckel recorre a essa narrativa irresponsável, irrealista e estereotipada. Não admira que até Santana Lopes ache este governo sem futuro. 
Ontem António Costa recordava no referido programa uma genuína e elucidativa “gasparvoice” (um nome inventado pelo Expresso num cartoon de António, quanto compreenda): há poucos anos atrás criticava a irresponsabilidade em Portugal versus a grande responsabilidade do modelo espanhol – como a história é ingrata para esta gente.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A fotografia do ano em Portugal?


Esta será uma das notícias mais interessantes sobre o estado atual da sociedade portuguesa (também aqui)
Pela história conclui-se que
1a. Um dos ministros mais bem penteados deste governo afinal só governa habitualmente de 3ª a 5ªf. De 6ªf a 2ªf trata da sua vida, metendo fim de semana alargado - tratando mesmo da sua vidinha (os negócios do seu escritório de advogado no Porto) às 6ªf e 2ªf. Ao mesmo tempo, a politica de austeridade do seu governo apela a mais horas de trabalho, acabar com feriados e pontes e reduzir os salários dos trabalhadores.
1b. Ou será que estava a tratar dos negócios de Estado no seu escritório de advocacia? Nesse caso a promiscuidade entre o público e privado (em especial em algumas sociedades de advocacia) estará a ultrapassar limites inimagináveis.
2. E para isso não se hesita em repetidamente estacionar em cima do passeio, em grosseira transgressão. Ao mesmo tempo que a sanha persecutória do Estado se tem agravado, das multas de transito à pressão do fisco e à redução de beneficios e das facilidades dos cidadãos, para o agente do poder tudo são facilidades.
3. E ainda por cima um cidadão que fotografe tal situação parece ser tomado como uma ameaça à segurança do Estado e de todos nós. Já chegava da promiscuidade bem conhecida e documentada das figuras gradas deste governo com as secretas - mas nesta história vai-se muito para além disso e banaliza-se a proteção discricionária aos agentes do poder.
Claro que o causidico-fotografo-amador lá terá as suas razões muito pessoais (e profissionais!) para pôr em xeque o seu estimado colega. Mas ao faze-lo está a prestar um serviço aos portugueses.
Haverá "cenas dos próximos capítulos"?

sábado, 8 de setembro de 2012

Um assalto às familias, um enorme favor ao grande capital

Tiro o chapéu aos comentário de José Gomes Ferreira no Expresso Online (aqui) acerca do ultimo anuncio do primeiro ministro: estas medidas anunciadas traduzem-se numa manifesta transferencia de riqueza das familias para o grande capital, e não resolvem nenhum problema estrutural da economia portuguesa.
A questão que ele coloca sobre "para onde vão os 7% adicionais de descontos dos trabalhadores?" é mais do que pertinente - e não se consegue perceber (sem mais explicações) como é que por essa via o dinheiro vai parar ao Orçamento de Estado e, por consequencia, resolve os problemas do deficit público.
Nicolau Santos propõe também uma boa análise da situação (aqui) e conclui:

  • O atual colapso da economia portuguesa não é apenas resultado de erros acumulados no passado. Resulta também da orientação económica que tem vindo a ser seguida. As medidas ontem anunciadas insistem no mesmo caminho. É pouco inteligente pensar que os resultados serão diferentes.
A explicação tentada pelo primeiro ministro (afinal o aumento de desemprego não é consequência das políticas de austeridade, mas sim da falta de financiamento às empresas) é chocante pela irresponsabilidade política que demonstra. Afinal a culpa é só dos bancos (onde o Estado aliás tem um papel importante)! Que a procura agregada tenha caído a pique, e com ela as receitas fiscais, e também o investimento, e que o acesso ao financiamento tenha (pelo menos em parte) sido também por isso limitado, é completamente ignorado. O que diz muito sobre a honestidade e/ou competencia do primeiro ministro e do governo, ou então sobre o seu enviesamento ideológico. Há muito que se sabe que políticas de austeridade em climas depressivos criam espirais recessivas - basta reler o que se escreveu sobre as teorias do "trade cycle" nos anos trinta e quarenta do século passado. Quem ignora isso não se pode depois vir a queixar das consequências desastrosas - como as que estamos a sofrer.
As políticas neoliberais e anti-sociais arriscam-se a destruir o Portugal reconstruido nos últimos quarenta  anos. As desculpas da austeridade não passam de uma cobertura de natureza ideologica para a incapacidade política em defender os interesses nacionais no seio da EU.
Já repararam que apesar de tudo a Espanha ainda não pediu resgate nenhum e que as taxas de juro da sua divida soberana estão a baixar? Será muito interessante observar os próximos desenvolvimentos relativamente às políticas de compra de divida publica anunciados pelo BCE - ao fim e ao cabo, a UE e a Espanha sabem que o colapso de Espanha será inevitavelmente o colapso do euro, inclusive para os países do Norte da Europa.
A ideia de que empobrecer as familias é criar condições de sucesso para o sector privado, e daí para o sucesso do país, tem infelizmente batido contra a parede da evidencia empírica (mesmo fora da zona euro: veja-se o que está acontecer no Reino Unido). Mas o fervor ideologico tem razões que a razão desconhece. Quem diria que a direita ultrapassaria a tradicional capacidade de obsessão ideológica do PCP?

Update, 12 setembro:
Há um mes no Pontal anunciava-se com entusiasmo que em 2013 é que ia ser! Duas ou tres semanas depois anuncia-se que afinal para 2013 se antecipa uma recessão (-1%) e aumento de desemprego (16%). Isso não é uma recuperação da economia, é um agravamento do crise.
O anterior candidato a primeiro ministro (e agora primeiro ministro em exercicio) deu um ar do que ia acontecer quando em tempos viabilizou no parlamento uma ténues medidas de austeridade do anterior governo e depois veio pedir desculpa aos portugueses.
Agora anuncia desastrosas e desastradas medidas de austeridade de enorme violencia e depois vai-se queixar para as redes sociais e (mais ou menos) torna a pedir desculpas - uma atitude que não pode deixar de ser sentida por muitos portugueses como um insulto (ou pelo menos uma garotice) . A falta de estatura, pessoal e política, deste primeiro ministro começa a ser assustadora.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Contra moinhos de vento .... marchar!

Esta é uma história que merece atenção e acompanhamento.
Se o empresário Alexandre Alves conseguir realmente arrancar e aguentar o funcionamento das unidades industriais sobre células e paineis solares, será de se lhe tirar o chapéu. Ainda por cima sem apoios do Estado. Que o projeto é muito ambicioso e que o processo tem sido muito atribulado, isso já era conhecido.
Mas os últimos acontecimentos surpreendem e sugerem um nível de manipulação e propaganda nos media, por parte do governo, que arrepia. A noticia primeiro punha o governo, em particular os ministros da economia e dos negócios estrangeiros, como grandes justiceiros contra a grande vigarice empresarial e falsos projetos megalomanos financiados com fundos de apoio. Em tempo de poucas noticias, deu grandes parangonas. Alguém que tinha a coragem de se virar contra os vigaristas - um discurso subliminar que este governo gosta de passar, mas pouco de cumprir: "vão devolver o dinheiro, e com juros e tudo!", proclamaram aos quatro ventos.
Pouco depois vem o AICEP desmentir o governo: afinal tal projeto nem um centimo tinha recebido de apoio!!!. E com isso confirma as declarações anteriores do empresário, e desmente os ministros. Do fio da história tornada publica é facil de perceber que entre AICEP e empresário devem ter existido guerras, e que os atrasos do investimento tiveram ai um papel. A história de que o empresário não entregou os papeis por não confiar (ou porque não os tinha?) é patética. Mas isso não invalida a manifesta tentativa de manipulação da opinião pública contra o empresário.
Por isso valerá a pena acompanhar os próximos capítulos. Se contra ventos e marés, estes investimentos ambiciosos vierem a acontecer - o empresário fica redimido de passados menos brilhantes (lembram-se da FNAC?). Quem dificilmente pode ficar bem na fotografia será este governo e estes quixotescos ministros que avançaram com toda a garra e com toda a fúria contra moinhos de vento, e disso se vieram  vangloriar para os media. Fica uma dúvida: quem foi o D. Quixote e quem foi o Sancho Pança de serviço? Ou já nem Sanchos por lá existem dignos desse nome?

Update: noticia no Expresso online.

Update 2 (13 agosto 2012) : Perante o "flop" do caso, o poder parece ter arranjado alguém para fazer o frete e tentar uma manobra de distração (ver aqui, aqui e aqui). Para isso recorreu a Zita Seabra, uma dos casos chocantes de futilidade e de falta de coerência na intervenção política das últimas décadas. Que Zita Seabra se preste alegremente a isso, apenas confirma a sua falta de espessura.

sábado, 21 de julho de 2012

O "estranho" (?) caso da divida soberana francesa e do FEEF


Há poucos dias um blog americano publicava o gráfico seguinte como "chart of the day" sob um titulo Look At What Francois Hollande Has Done To French Borrowing Costs, relativo à surpreendente queda das taxas de juro da divida francesa depois da eleição do novo presidente. Na realidade esperava-se exactamente o contrário (ver o nosso post anterior sobre este tema)


Ontem o Jornal de Negócios online anunciava que 
  • o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), um dos mecanismos que empresta a Portugal, financiou-se a taxas negativas numa emissão de dívida de curto prazo, à semelhança do que tem acontecido em países como Alemanha e França".
e que
  • O fundo está a beneficiar da mesma procura por parte dos investidores de que têm beneficiado os países do centro e norte da Europa. Apesar da rendibilidade negativa, a procura superou em três vezes o montante colocado.
Que as taxas de França tenham este comportamento é um rombo na "teoria da austeridade" - na realidade é exatamente o contrário inverso do previsto pela teoria. Afinal, e sem as tais medidas drásticas de austeridade, a defesa de uma política diferente não fez disparar as taxas de juro da divida soberana francesa.
Que o FEEF se financie ao mesmo nivel de taxas que a Alemanha e a França é elucidativo da viablidade e oportunidade do eurobonds e coisas semelhantes: os países europeus, incluindo Espanha, Itália, e, e claro, Portugal, podiam estar a beneficiar de baixas taxas de juro através de financiamento indireto por instrumentos financeiros do tipo eurobonds (que uma vez Barroso e a Comissão Europeia tentaram fazer vingar, mas depressa esqueceu perante a pressão alemã). Poderiam com isso evitar deficits públicos tão elevados e terem condições mais propicias para uma retoma do crescimento. As condições para os reajustamentos seriam muito mais fáceis e os sacrificios teriam outros dividendos e outras expectativas de sucesso futuro. Como as taxas de juro francesas parecem mostrar, esta facilidade de financiamento da UE não é uma dádiva ou favor alemão, como a ortodoxia do poder alemão gosta de apregoar. A realidade é muito mais complicada do que isso e muito mais favoravel à Alemanha do que se apregoa.
Ambos os factos anteriores mostram algo em comum: a falta de "safe heavens" suficientes para satisfazer aplicações financeiras seguras (de muito baixo risco). A falta desses refúgios para os investidores tem sido muito referida (recordo Soros, por exemplo). A prática está a mostrar isso. O facto da UE não mostrar conseguir tirar partido disso, em nome de uma teoria inviavel da austeridade e penalização da europa meridional, poderá ainda um dia vir a ser considerado criminoso (pelo menos no sentido moral e politico).




Update, 24 Julho: Gavyn Davies no blog do FT, "Bond yields and disaster risk premia" (figura acima) discute o comportamento recente da divida soberana e a surpreendente tendencia para juros quase nulos, devido à crescente incorporação do prémio de risco de desastre nos juros da dívida soberana
  • the perceived likelihood of an economic disaster (defined as a drop of 10 per cent or more in real GDP) has risen markedly since 2008, after many decades in which the risk of such an event had disappeared from investors’ minds. The reappearance of disaster risk increases the probability of a left tail event in economic growth and reduces the valuation of the equity market.
Como se vê pela figura, por países, há um número significativo de países (da OCDE) a pertencerem ao "The Zero Club", mas
  • Again, the stark difference between Italy and Spain on the one hand, and all other countrieson the other hand, is immediately apparent. Where default risk is effectively nil, as it is in economies with their own central banks, yields are homing in on zero throughout the curve
O caso do Japão será mesmo muito surpreendente: a economia mais endividada do mundo (ou pelo menos da OCDE, ver nosso post anterior Trends among OECD countries: debt, deficit, growth, manufacturing sobre esse assunto) tem um custo quase nulo de divida soberana neste momento!

Update, 25 Julho: No blog Daily Chart do The Economist aparece um interessante gráfico sobre a evolução a longo prazo da taxa de juro das obrigações a dez anos (desde 1860, USA, Alemanha, Itália, Espanha) e que mostra uma apreciável volatilidade a longo prazo, para além de que níveis muito baixos por um longo período de tempo também não são novidade (pelo menos para os USA).

quarta-feira, 11 de julho de 2012

O problema das lideranças e das entrelinhas.

Seria de esperar? Provavelmente. Houve logo quem tenha dito que o acordo da ultima cimeira parecia interessante, mas o problema iam ser depois as entrelinhas dos contratos.
Por isso a súbita recuperação (para pior) das taxas soberanas de Espanha e Itália não surpreendem muito quando se vem a saber que afinal o financiamento directo do sistema bancário pode ficar dependente de garantias soberanas - ou seja, continua a vingar a tese de que as más decisões de bancos alemães têm agora que ser salvas com garantias (logo responsabilidades pela divida) soberanas da Espanha e da Itália (ver artigo no WSJ e notícia no FT).
Depois de ter permitido á banca alemã salvar muito dinheiro no "haircut" final da divida grega através de manobras calculadas no tempo, agora vemos renascer outra vez o mesmo processo: tentar garantir a divida da banca (privada) pelos meios da política pública no contexto europeu.
Pode-se não gostar, e achar isso obsceno (como na realidade nós achamos). Mas essa parece ser a realidade da politica europeia de momento. Mas será uma fatalidade? Os exemplos anteriores sugerem que não necessariamente, e que a pressão da europa meridional pode ter alguma força.
Infelizmente Portugal parece estranho a essa dinamica. Pode-se argumentar que é um tacticismo seguro: somos demasiado pequenos, temos que aguardar o momento para dar a estocada depois de outros forçarem o caminho, coisa que nós não conseguimos fazer.
Mas a nossa leitura é diferente: temos um problema de liderança a nível nacional e a nível europeu. 
Há pouco Pacheco Pereira formulava uma pergunta que muitas começam a equacionar: e se for impossível que esta política de austeridade definida pelo memorando com a troika funcione? (ou seja, que nas circunstancias atuais a política esteja simplesmente errada). Como se sabe muita gente acha isso (e parece que o nosso próprio presidente também), e não têm dúvidas sobre o desastre que está a ser criado por essas políticas.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Os problemas e as soluções

Um modelo simples ajuda a organizar ideias. Com base num post muito recente de Krugman, sistematiza-se a seguir as questões envolvidas na crise atual.

A eurozona debate-se com três niveis de problemas:
1. Um primeiro problema ao nível da solvabilidade do sistema bancário
2. Depois, um problema ao nível da dívida soberana
3. E depois um problema mais profundo de falta de competitividade criado pela fuga de capitais entre 2000 e 2007 (dos países meridionais para a Alemanha, em especial)

e que implicam um programa de respostas também com vários níveis:

1. um processo credível de resgate do sistema bancário e de união bancária, 
2. uma intervenção que permita o normal financiamento da dívida soberana junto dos mercados (firewall, bazooka, eurobonds, projet bonds, ... chame-se o que quiser, mas que passará sempre por algumas formulas de mutualização da divida dentro do espaço da eurozona) 
3. um alto nivel de inflação na Alemanha, para que a Europa meridional não tenha necessidade de uma deflação quase impossivel de aguentar sem graves perturbações (sem isso será difícil uma politica de crescimento que crie condições para os países do sul saírem da crise - mas será também muito difícil o consenso para tal necessário com que os países do dito "norte").
(Atualização, 11 Julho: para uma aplicação do "modelo" ao caso espanhol, ver este post de Krugman)
(Atualização, 12 Julho: um modelo alternativo, mas semelhante: post em Vox)

Várias análises sugerem que as medidas da última cimeira serão insuficientes para estabilizar os mercados. Ver por exemplo, as análises de Gavyn Davies no FT (More questions than answers after the summit) ou de Paolo Manasse (A spread-fixing scheme: Monti's pyrrhic victory?) e de Paul de Grawve (Why the EU summit decisions may destabilise government bond markets) no Vox. As últimas noticias não são animadoras e parecem indicar que os mercados começam a pressentir essas dificuldades e voltam a pressionar, passada a fase inicial de satisfação. As noticias dos media hoje mostram novamente níveis insuportáveis de taxas de juros para a divida soberana espanhola a 10 anos, parecendo confirmar as análises anteriores (segundo artigo em El Pais):
 
Harold James (historiador na Universidade de Princeton e no Instituto Europeu de Florença) faz uma reflexão sobre as questões de liderança na crise atual (The crisis of summer) e conclui:
  • In the past, it was war, immense dislocation, and suffering that could weld nations. Is Europe’s current crisis severe and dislocating enough to generate an analogous effect? The more Europe suffers, the more its people will correctly perceive an incrementalist agenda for reform as nothing more than an exercise in futility
Atualização, 25 julho 2012: Charles Wyplosz, "End of game? Don’t bet on it" no blog Vox mais ou menos desmonta a situação da crise na eurozona em moldes algo semelhantes:
  • Moody’s decision to put the German public debt (already above 80% of GDP) on a negative watch is a healthy reminder that the EFSF/ESM route is leading nowhere good.
  • The simple truth has been known all along ... The crisis will not end until the ECB acts as lender in last resort. It can do it on the cheap by either partially guaranteeing all Eurozone public debts or by setting a cap on their interest rates ... . This will bring the speculative phase of the crisis to a temporary end, leaving room for the other required steps.
  • Private bondholders too will be hurt for having purchased what they saw as safe assets. This is a step that all governments want to avoid, which is understandable but futile. The more they wait, the deeper will be the haircuts and the larger the eventual losses.
  • After all, the ECB can rescue the Eurozone, but it cannot repair it – only governments can do 
    that. ... The really good news is that, at long last, the euro has started to depreciate. Since there is no room left for an expansionary monetary policy and since most governments cannot use fiscal policy in a countercyclical way – just letting the automatic multipliers act remains a dream – the only possible boost to stop economic recession from spreading is a rise in exports. A weak euro is in Europe’s interest.
(Itálicos da nossa responsabilidade)

Problemas no "bloco oriental" da EU


A politica de austeridade continua a fazer a vitimas na EU: depois de Portugal, Irlanda, Espanha, Chipre, Grécia, com a Itália a meio caminho, a Eslovaquia também na calha, parece que um caso que tem passado mais despercebido se está a tornar num caso grave, não só economico, mas acima de tudo político: a Roménia.
O que também é grave, é que o que se está a passar na Roménia tem fortes parecenças com as perigosas alterações estruturais do tecido constitucional e político em curso na vizinha Hungria.
Krugman publicou (4 Julho) no seu blog uma carta que é um apelo e um testemunho importante: "Guest Post: Romania Unravels the Rule of Law", por Kim Lane Scheppele, da Universidade de Princeton:
  • Now it’s Romania’s turn to worry those of us who care about constitutionalism, democracy and the rule of law. A political crisis has gripped Romania as its left-leaning prime minister, Victor Ponta, slashes and burns his way through constitutional institutions in an effort to eliminate his political competition.
Estes problemas têm estado em segundo plano de preocupações, numa EU onde as preocupações com a crise da eurozona dominam todas as atenções. Mas podem ser mau augurio para uma deriva não democrática e para uma divergencia politica da zona "oriental" da EU.


(Figura: deficit governamental da Roménia e Hungria, % PIB. Fonte: Eurostat)
(Foto: janela do histórico hotel Gellert, Budapest, em frente ao Danubio, Março 2007)

segunda-feira, 18 de junho de 2012

O "dia seguinte" à Grécia : Espanha


O "day after" das eleições gregas é especialmente bem documentado pelo "spread" da divida publica espanhola relativamante à alemã:

O El Pais (em "Las dudas sobre la solvencia de España se agudizan a pesar del resultado en Grecia") comenta:
  • Lejos de suponer un bálsamo, los 100.000 millones de euros solicitados por el Gobierno español para los bancos añaden gasolina a un incendio sin extinguir
e recorda o dramatismo da situação:


Paul Krugman comenta também a situação num post no blog no NYT:
  • The reasons aren’t hard to see: we have a maybe coalition that received a minority of the votes, pursuing a strategy almost guaranteed to fail, with parties ranging from radical to full-on fascist waiting in the wings. But what was the market expecting?
O governo espanhol parece desesperadamente esperançado numa solução vinda de Bruxelas e persiste (muito para além dos limites da persistencia de Socrates e do anterior governo portugues) em recusar um bail out total.
Ninguém sabe o que daí pode resultar - provavelmente nada, mas não é seguro. Mas já não é a primeira vez que lhe vale a pena bater com um murro na mesa e desafiar as posições de Berlim e Bruxelas, numa altura em que começa a ser claro o alinhamento com a Itália (vejam-se as preocupantes declarações de Monti, hoje, no Jornal de Negócios online), França, e porventura mesmo com o Reino Unido. E com a Grécia. As dinamicas do poder dentro da UE parecem estar em rápida alteração.
E Portugal? Orgulhosamente só dentro da europa meridional ... 

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Mercassos, depois de Merkozy?

O Jornal de Negócios diz, sobre a ultima cimeira da UE em Bruxelas, que
  • "Alguns falaram durante imenso tempo e outros em apenas alguns minutos”, declarou Hollande, citado pelo “The New York Times”, referindo-se aos restantes 26 chefes de Estado e de governo que estiveram presentes.
Não era preciso citar o NYT: bastava ter visto a conferencia de imprensa de Holland nos canais de lingua francesa. 
Parece que o primeiro ministro português foi dos que mais falou. Nas declarações posteriores para a imprensa voltou com o discurso da ortodoxia germanica, continuando a ignorar os problemas estruturais dos mecanismos do euro, e a negar a necessidade de formas de mutualização da divida.
A reiterada recusa dos eurobonds é especialmente negativa: ao não ser capaz de assumir algum protagonismo em Bruxelas e procurar alianças estratégicas com outros países do sul da Europa, estará a condenar a economia portuguesa a uma experiencia desastrosa que provavelmente ficará para a historia da economia como um desastre potencialmente evitável, associado a alterações da posição geoestrategica da Alemanha reunificada.
No DN, Soromenho Marques comenta com uma veemência menos habitual:
  • No jantar do Conselho Europeu de quarta-feira, Passos Coelho - contrariando Monti, Hollande, Rajoy, Juncker, o FMI e a OCDE, entre muitos outros líderes e instituições - apoiou Angela Merkel contra as euro-obrigações. O escândalo racional da chanceler alemã é, assim, apoiado pelo mistério irracional do comportamento do primeiro-ministro português. A lógica da subserviência tem na decência, o seu limite moral, e no interesse nacional, o seu absoluto limite político. Passos Coelho está a rasgar todos os limites. Ele não se pode enganar no "P" ao serviço do qual se encontra. Ele foi eleito para servir Portugal e os portugueses. Não para se comportar como se o nosso retângulo fosse a província mais ocidental da Prússia.
Martin Wolf, no FT, fala precisamente da necessidade de ação contestária na eurozona:
  • Yet solutions may require a degree of political and economic radicalism beyond the member countries.
Hoje a Comissão anuncia mais um ano para a regularização do deficit público em Espanha, ao mesmo tempo que um Barroso surpreendentemente triunfalista fala de uma união bancária, com fundo de garantia, que uma vez mais pode facilitar muito a situação espanhola. Ou seja, o atrevimento e o bater do pé de Rajoy está a dar resultados, em especial quando de algum modo aparece associado a Holland. 

Mas Martin Wolf fala também da novidade da situação:
  • I do not know what the best or most likely way forward can be. But one must be found. The fragility of sovereign debt in the eurozone is potentially lethal, since it can push governments into unmanageable crises. Governments that would have been solvent if they had remained outside the eurozone are so no longer. Countries risk defaults of their governments and banks, together. This is likely to prove intolerable.
  • eurozone sovereigns are exposed to risks that sovereigns with floating exchange rates and central banks are not. Sovereign debt of eurozone countries seem to be far more fragile than that of countries with their own central banks. This issue is a relatively new one, so far as I know. But it is extremely important.
  • A freeze on liquidity may drive a solvent sovereign into default: we are then in the world of multiple equilibria. Thus a sovereign that could perfectly well avoid default if it had market confidence is, in the absence of a central bank, vulnerable to a run. The bonds of governments that lack their own central banks are exposed to an extra risk, in exactly the same way that the liabilities of banks without lenders of last resort are also exposed to risks that banks with lenders of last resort do not face.
Nos comentários ao texto de Wolf sente-se a preocupação no ar:
  • Frightening indeed - in earlier times the solution to this dilemma would have led to war. It still of course may lead to revolution .....which I suppose is 'less bad'!
(Itálicos da nossa responsabilidade)
Atualização: Silva Lopes, citado pelo Jornal de Negócios:
  • o tratado orçamental aprovado para os países da zona euro é uma "ideia sinistra" e vai ser "um desastre completo.
  • Aliás, tenho dúvidas que a própria União Europeia possa persistir durante muitos anos se não mudar as regras", afirmou também ao considerar que "querer resolver os problemas da UE só com austeridade não vai ser possível".

domingo, 20 de maio de 2012

O (grande) problema do clube


Parecem começar a emergir alguns sinais de que afinal uma saída da crise pode acontecer por outras vias que não pelas políticas irresponsáveis da chamada (pelos alemães e seguidores) "política responsável de dívida e deficit publico" dos países da eurozona, em especial da chamada periferia da eurozona. Pode muito bem estar a acontecer que as eleições gregos sejam um ponto de viragem: no fundo os gregos querem continuar no euro, mas não aceitam continuar a sofrer os efeitos das políticas depressivas de austeridade a longo prazo que lhes querem impor. E começa a ouvir-se que afinal pode haver maneira de conciliar as duas coisas e tornar os reajustamentos mais "socialmente responsáveis" e menos destruidores da sociedade e da economia. O meu palpite é que os eurobonds, ou instrumentos semelhantes de mutualização parcial de dívida na eurozona estarão de volta, na sequencia das eleições francesas, gregas e irlandesas.
Será muito interessante ver o resultado do referendo irlandês, em conjunto com o resultado das eleições gregas (primeira e segunda "volta"). E as evoluções das opiniões públicas de Espanha e da Itália nos próximos meses. Mas o que parece ser verdade é que se instalou realmente algum pânico em Berlim e Bruxelas quando se começou a perceber que as mensagens neo liberais dos tecnocratas financeiros estão a fermentar uma revolta nas urnas da europa meridional, e não só, e que afinal os gregos são mesmo capazes de quere bater o pé (e mesmo com a porta). Mesmo os partidos gregos pró-euro anunciam que pretendem renegociar as condições.
A intervenção recente de Durão Barroso começa a soar a patético: se a Grécia quer ficar no euro, tem que obedecer às regras do clube. Os gregos parecem estar a responder que se o clube quer que Grécia continue afiliada, então o clube tem que tratar a Grécia de outra maneira, mais de acordo com as políticas de governação do clube (que tem sido ignoradas) e com os objetivos de solidariedade do clube (também esquecidos).
Michael Pettis, um espanhol da Peking University’s Guanghua School of Management, e Senior Associate at the Carnegie Endowment for International Peace, faz uma boa discussão da posição espanhola, e conclui que (no cenário das políticas prevalecentes), a Espanha terá inevitavelmente que abandonar o euro por progressiva pressão da opinião pública. A leitura da newsletter, Europe's Depressing Prospects, recomenda-se. Embora se dirija ao caso da Espanha, o paralelismo com a Itália e Portugal é obvio. 
Pettis faz uma interessante análise da posição alemã, que será muito menos airosa do que parece e do que se pretende fazer crer:
  • Germany has a potentially huge debt problem on its balance sheet. As a consequence of its consumption-repressing policies during the decade before the crisis, Germany’s domestic savings rate was forced up to much higher than it otherwise would have been and Germany has had to export the excess capital. Not surprisingly, given European monetary dynamics, this capital has been exported largely to the rest of Europe in order to fund the current account deficits of peripheral Europe that corresponded to the surpluses Germany so badly needed to grow. 
  • It did this not by accumulating euro reserves, which it could not do anyway, but rather by accumulating loans to peripheral Europe through the banking system. As a result of all of these loans, Germany is rightly terrified that a wave of defaults in Europe will cause its own banking system to require a state bailout if it is not to collapse, and so it does not want to cut taxes and reduce savings because it believes (wrongly) that austerity will make it easier to protect its creditworthiness. 
  • But German’s anti-consumption policies are leading it towards a debt problem in the same way that similar US policies in the late 1920s created an American debt crisis during the next decade.
  • By refusing to take steps that seem on the surface to undermine its creditworthiness, Berlin will only ensure the debt moratorium that will probably demolish its creditworthiness anyway. 
  • I think Berlin is betting that if they can prolong the crisis long enough, while pretending that the problem is one of liquidity, not solvency, they can recapitalize the German (and other European) banks to the point where they eventually are able to recognize the obvious and take the losses.
Também a análise dos (inevitáveis) mecanismos de espiral recessiva das políticas de austeridade parece bastante clara nesta newsletter. Em particular a inevitabilidade de um desemprego insustentavel a longo prazo
  • unemployment must remain very high for many years so that wages either decline, or rise by less than inflation and relative productivity growth. This is pretty straightforward. 
A responsabilidade da saída da crise é de todo o clube, mas as implicações parecem ser insuportaveis para alguns membros do clube, ainda por cima com responsabilidades na crise:
  • The responsible thing to do is to acknowledge that the euro is indefensible and that Germany’s refusal to share the adjustment burden, after it absorbed most of the benefits of the mismanaged monetary position it imposed on the rest of Europe, means that Spain will be forced to take on far more than its share of the cost. 
As assimetria da poupança privada dentro do espaço intra comunitário e especialmente da eurozona, assim como da balança de comércio externo e da produtividade do trabalho são consequências de disfuncionalidades dos mecanismos da EU e do euro, que obrigam o clube a repensar-se. 
Pettis defende que a melhor opção para a Espanha é sair do euro, mesmo que isso seja inevitavelmente doloroso. Mesmo assim seria melhor do que ficar amarrado ao euro, à rigidez da eurozona (o tal clube de Durão Barroso) e a políticas irresponsáveis (as tais regras do clube de Durão Barroso).
É isto que é mesmo muito preocupante e um sinal que não se pode continuar a ignorar: depois de tantos esforços e sucessos na criação e implementação do sonho da Europa (UE), vozes responsáveis defendem que é melhor abandonar o clube e o sonho, tudo porque o clube parece estar a transformar-se num instrumento de liquidação do sul da europa pelo norte, e em especial por uma Alemanha reunificada, para quem o interesse do clube parece estar a desvanecer-se, ou mesmo a perverter-se. E nessas condições ficar no clube será (para a Espanha, como para Portugal ou Itália)  um suicidio assistido a prazo.

(Itálicos da nossa responsabilidade)

(Adição: por falar em clubes - uma foto notavel de atualidade, no inicio do post)

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Grexit or UExit?

Apesar de algo equivoco, o recente editorial do FT sobre a crise europeia e da Grécia, Euro’s last turn before the Grexit, tem alguns pontos relevantes:
  • Only in the context of a euro-wide relaxation of budget targets – which has become a live possibility in remarkably little time – can a modification of Athens’ programme be envisaged. Even that, however, is unlikely to gain strong political backing from Greeks, and may in any case come too late.
  • If the common currency disintegrates, it will be because monetary union and national responsibility for banks are an unsustainable combination. Policy makers understand this now.
  • If the eurozone blanched at pushing Greece out the door – and despite the tough talk, many leaders will hesitate – the only way it could avoid it would be by saving Greece’s banking system from collapse even if the sovereign defaulted.
Entretanto, James Galbraith (da UT at Austin) comentava numa interessante entrevista:
  • the pretense had to be given to the German electorate that this was assistance to Greece in return for Greek sacrifices. The only thing that was real about that was the sacrifices. Those were palpable, they provided a justification for the policy, but there was no assistance to Greece associated with this.
Mais do que a incapacidade grega para implementar as reformas (apesar de tudo, foram feitos passos enormes de austeridade pelos gregos), é a incapacidade da UE em propor políticas razoáveis à Grecia (e outros!) que se está a revelar desastrosa. Cinco anos de programa e o desastre parece não ter fim. Quem se pode admirar dos gregos estarem fartos da incapacidade de Bruxelas e de Berlim?
Este parece ser um momento de potencial viragem: ou o colapso do euro (e da UE) ou alguém capaz de reconhecer que é o momento da mutualização da divida e das políticas fiscais comuns, com programas de coesão para a periferia. Um Europa federal. (Tal como a Alemanha federal ... ).

(Atualização, 21 de maio, editorial do The Economist, onde também se fala de "Eirexit, Porxit, Spaxit and Ixit":
  • The Greek election is in effect a referendum on whether the country will stay in the euro. It is not completely without hope. A new Greek coalition which vowed to stick to the rescue deal would in fact gain some help from the rest of Europe. At the same time, with the promise of a common banking backstop and some form of Eurobonds, the euro would at last start to look as if it could survive and the dangers of contagion would fall away.
  • The financial re-engineering of Europe is a prerequisite for the euro to survive. Greece is bringing forward that moment of truth. And yet politicians, particularly in Germany, have still to accept the logic, let alone explain it to voters. The prospect of a Greek exit means they must begin to do so—and fast.)
(Itálicos da nossa responsabilidade)

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Stiglitiz: a austeridade como crime

O último post de Joseph Stiglitz, prémio Nobel de economia, no Project Syndicate, é um gritante apelo aos lideres europeus para cessarem uma política "criminosa" que está a destruir a maior economia do mundo e o capital humano da sua juventude, logo a destruir parte do capital humano da próxima geração europeia:
  • So many economies are vulnerable to natural disasters – earthquakes, floods, typhoons, hurricanes, tsunamis – that adding a man-made disaster is all the more tragic. But that is what Europe is doing. Indeed, its leaders’ willful ignorance of the lessons of the past is criminal.
  • The pain that Europe, especially its poor and young, is suffering is unnecessary. Fortunately, there is an alternative. But delay in grasping it will be very costly, and Europe is running out of time. 
  • If the euro survives, it will come at the price of high unemployment and enormous suffering, especially in the crisis countries. And the crisis itself almost surely will spread.
O espectro de uma união financeira incompleta e sem credor de ultimo recurso continua a limitar as opções
  • Europe as a whole is not in bad fiscal shape; its debt-to-GDP ratio compares favorably with that of the United States. If each US state were totally responsible for its own budget, including paying all unemployment benefits, America, too, would be in fiscal crisis. The lesson is obvious: the whole is more than the sum of its parts. If Europe – particularly the European Central Bank – were to borrow, and re-lend the proceeds, the costs of servicing Europe’s debt would fall, creating room for the kinds of expenditure that would promote growth 
No mesmo dia, Merckel reafirmou a sua politica de austeridade para os países do sul da europa, como a única alternativa possível.

(Itálicos da nossa responsabilidade)

(Adição: de um post do Free Exchange, no The Economist:
  • The austerity is there. If it isn't working out as many expected, that's either because what they expected was unreasonable, or because the central bank isn't doing its part.)

sábado, 28 de abril de 2012

Endividado por não crescer, ou sem crescer por estar endividado?

Nicolau Santos comenta no Expresso Economia (28 abril) sobre a dívida (portuguesa) e as crises soberanas. E recorda Reinhart e Rogoff (R&R):
  • Se (R&R) estão certos (no sentido em que países com dívidas públicas acima dos 90% têm o crescimento comprometido), então Portugal, cuja divida pública está agora nos 107% do PIB, não tem nenhumas condições de voltar a ter crescimentos acima dos 2% durante esta década, o que agravará todos os nossos problemas.
Reinhart (da U. Maryland) e Rogoff (da U. Harvard) têm publicado abundantemente à volta das relações entre dívida soberana e crescimento, e são muito citados, tendo acumulado centenas de citações em pouco tempo. Num post no voxeu.org, "Debt and growth revisited" (11 agosto 2010). R&R sumariam o exercício de mais de 2000 registos de vinte países desenvolvidos no período 1790 a 2009. Na figura seguinte sumariamos a conclusão mais importante: quer a média como a mediana para cada classe de nível de crescimento anual (%PIB) sugerem uma correlação negativa entre endividamento e crescimento: quando o endividamento é inferior a 30% do PIB, o crescimento andou pelos 3.5 a 4 %, mas quando o endividamento é superior a 90% PIB, o crescimento andou pelos 1.5 a 2%.


Correlação não é casualidade, mas depois de explorarem os dois sentidos possíveis, R&R concluem pelo sentido endividamento causa baixo crescimento, e retiram da análise importantes consequências sobre políticas económicas:
  • For many if not most advanced countries, dismissing debt concerns at this time is tantamount to ignoring the proverbial elephant in the room.
Krugman, num post de agosto de 2010, é um dos que levantou  dúvidas sobre a causalidade sugerida por R&R entre dívida e crescimento (no sentido de que a causa de uma nível elevado de dívida é a causa de um baixo crescimento da economia), e salienta a importancia que esses trabalhos têm tido na construção das políticas pró-austeridade:
  • In practice, the article has been widely used to claim that there’s a red line of 90 percent in the public debt to GDP ratio that one crosses at one’s peril.
Trabalhos recentes têm levantado dúvidas sobre a causalidade dívida / crescimento. Na realidade a figura anterior pode também ser "lida" como sugerindo uma causalidade reversa da defendida por R&R: baixo crescimento da economica cria endividamento - uma narrativa também muito plausível. Os italianos Hugo Panizza (da UNCTAD) e A. Presbitero (da U. Politécnica de Marche) levantaram em trabalho recente (2012) dúvidas sobre a causalidade proposta por R&R: 
  • To answer the question "Do high levels of public debt reduce economic growth?" we follow the econometric procedure of trying to reject the proposition that “debt has no growth effects”. Our research shows that this proposition cannot be rejected, so it may well be that it is true. We cannot, however, be sure.
  • we do not find any evidence that high public debt hurts future growth in advanced economies.
  • Therefore, given the state of our current knowledge, we believe that the debt-growth link should not be used as an argument in support of fiscal consolidation.
Estes autores fazem assim o ponto de situação sobre a controversia da causalidade divida / crescimento:
  • Our reading of the empirical evidence on the debt-growth link in advanced economies is:
    • There are many papers that show that public debt is negatively correlated with economic growth.
    • There is no paper that makes a convincing case for a causal link going from debt to growth.
    • Our new paper suggests that such a causal link does not exist (more precisely, our paper does not reject the null hypothesis that there is no impact of debt on growth).
Claro que não argumentam que o crescimento da dívida possa ser sempre sustentável, mas sugerem uma importante consequência:
  • The fact that we do not find a negative effect of debt on growth does not mean that countries can sustain any level of debt. There is clearly a level of debt beyond which debt becomes unsustainable, and a debt-to-GDP ratio at which debt overhang, with all its distortionary effects, kicks in. What our results seem to indicate, however, is that the advanced economies in our sample are still below the country-specific threshold at which debt starts having a negative effect on growth.
O que isto significa é que pode ser possível o crescimento mesmo com níveis elevados de endividamento. O que não é nenhuma surpresa: no passado países como a Itália ou a Grécia conheceram períodos de crescimento interessante mesmo com elevadíssimos níveis de endividamento (acima dos tais de 90% de R&R). Na realidade sem a crise de identidade do euro, e a inflexibilidade de uma união monetária sem partilha de responsabilidades, as taxas de juro da divida soberana provavelmente nunca teriam explodido para os chamados países periféricos, tal como aconteceu.
O prognóstico de Nicolau Santos pode não ser tão inevitável como sugere, pelas razões que sugere.
Mas se a causalidade afinal for reversa (ou seja: se o endividamento elevado for causado por baixos crescimentos) então o que está a acontecer em Portugal, e não só, é verdadeiramente catastrófico e criminoso: à procura de reduzir à força e à bruta o deficit público está-se a provocar uma forte recessão economica, com crescimentos negativos da economia, de que resultará então um inevitável aumento da dívida pública, então para níveis totalmente insustentáveis.

Atualização, 28 Julho 2012: Martin Wolf faz uma relevante discussão das teses de R&R sob o ponto de vista de política económica, em Objections to providing fiscal support for deleveraging no seu blog no FT. Apesar de pouco desejavel, a divida publica pode não ser tão indesejavel ou perniciosa como querem fazer crer, em especial em situações de "liquidity trap".
  • It is therefore quite possible to get out of debt by going into it, because they are not the same debtors. And the distribution of the debt, not its level, is what matters.
E desmonta as conclusões de um dos últimos artigos de R&R: Debt overhangs: past and present (Abril 2012):
  • the conclusion one cannot draw is that public debt must be kept below 90 per cent of GDP, whatever the cost. Struggling to keep debt below 90 per cent of GDP might be far more costly than letting debt rise above that threshold.
  • The authors probably do not wish to argue that the UK should not have fought World War II because it led to excessive public debt (peaking at close to 250 per cent of GDP). 
  • Again, if the government’s borrowing was aimed at reducing the economic impact of private sector deleveraging, the economic costs of keeping debt below 90 per cent, instead, could well exceed the costs of allowing debt to rise above it. The authors do not analyse such counterfactuals.
  • In the case of Japan, for example, it seems quite plausible that a collapse in growth opportunities after 1990 also lowered investment opportunities. This then generated long-lasting financial surpluses in the corporate sector, whose counterparts were high fiscal deficits. The causality would then indeed go from poor growth opportunities to high public debt, rather than the other way around.
  • Again, let us accept that very high public debt ratios may create problems. None the less, the period after the Napoleonic War was when the UK began its industrial revolution and the post-war period was one of good economic performance, in both the US and UK. The conclusion is that high debt can be perfectly manageable in countries that know how to manage it.
  • It is all about timing. While the private sector is deleveraging and so running large financial surpluses, large fiscal deficits are necessary, provided they can be sustained, as they certainly can be in the US. Once the deleveraging is finished and the economy recovers, the fiscal deficit will need to be closed. The key is to introduce policy commitments on taxes and spending that make a closure of the deficits credible.
(Itálicos da nossa responsabilidade)

domingo, 22 de abril de 2012

Holanda: e a crise continua

Em post anterior referimos a (surpreendente) crise a emergir na Holanda, um dos pilares da política de austeridade e de intolerancia com os deficits dos países da Europa do Sul.
Os últimos desenvolvimentos vão no sentido previsto (ver artigos no WSJ: aqui e aqui): crise governamental por causa das políticas de controlo do deficit, eleições a caminho, reforço da extrema direita, crescendo das franjas anti-euro, ... 
  • The Netherlands has been a key ally of Germany and one of the most vociferous supporters of austerity since Greece's debt problems initiated the euro zone's debt crisis more than two years ago. But its economy is performing poorly and is expected to shrink this year, widening its budget deficit and making it one of the worst-performing in the euro zone.
Entretanto o AAA está também a caminho de desaparecer - e entretanto, se isso acontecer, na zona euro ficam apenas três países ainda com essa notação (Alemanha, Luxemburgo, Finlandia), o que não pode deixar de afetar o próprio euro.
O caso holandês é especialmente interessante porque mostra a instabilidade do sistema na eurozona  e como fácil e rápidamente as situações se podem inverter.
Tal como a Espanha, a Holanda também foi um país "bem comportado" (sobre a Espanha, ver posts anteriores, aqui e aqui). Sob o ponto de vista de endividamento, tem estado melhor do que a própria Alemanha, embora pior do que a Espanha (figura: government consolidated gross debt, % GDP):

Cenário semelhante quanto a deficits / superavits (figura: general government, net lending (+)/net borrowing (-) under the EDP (Excessive Deficit Procedure)) - até 2007 o deficit holandês foi quase sempre inferior ao deficit alemão (mas pior do que a Espanha a partir de 2000):


Apesar das taxas de juro do financiamento da divida público estarem a subir, continuam ainda longe de níveis preocupantes (ainda abaixo de 3%). Mas é muito sintomática como num ápice o deficit público subiu para níveis acima dos tais 3%, despoletando medidas restritivas para poder cumprir o normativo comunitário, na sequência de uma crise imobiliária associada a uma quebra da casa dos 10% (só!) no valor do imobiliário. 
E assim, de repente, os defensores da austeridade na casa dos outros, aparecem agora a lamentar a necessidade de políticas restritivas porque ... afectam negativamente o crescimento, e parecem não ter apoio da opinião pública. Mais desemprego por causa do limite do deficit, numa economia que pode perfeitamente funcionar durante algum tempo com algum deficit acima dos 3%. parece ser coisa difícil de engolir pelo eleitorado holandês. Pelo menos por uma parte deste começa a dizer que então é preferível sair do euro, e mesmo da UE, e voltar à antiga moeda.
Que isto esteja a acontecer no nucleo duro do euro é muito significativo, ao mesmo tempo que em França uma candidata presidencial anti-euro (e pró retorno ao franco) chega aos 20%. Como comenta um analista americano:
  • Core Europe has been worried for some time that an election in a peripheral country would produce a result that was anti-Euro. However the latest developments show strength for anti-Euro candidates in core countries.
(Dados: Eurostat).

(Atualizações: no WSJ e no Guardian, 24 abril. No excelente artigo do Guardian, Robin Wells comenta que:
  • But given that the sober Dutch are in no danger of defaulting on their AAA-rated bonds, why the turmoil and panic? Because, perhaps, the Dutch are indeed sober – and a significant number of them have said "enough". Having seen the devastation inflicted on the Greek, Irish and Spanish economies by tough austerity measures, many have concluded that the pain is simply not worth it to meet an arbitrary 3% deficit rule.
Num post do Projecto Syndicate (France and Frankfurt), Harold James, professor da U. Princeton, fala do origem da regra dos 3%:
  • The 3%-of-GDP cap on budget deficit, established somewhat arbitrarily in the 1990’s, also originated from the traumas of the Mitterrand experiment. Three percent of GDP was the figure that Delors calculated as the maximum deficit compatible with monetary stability in the circumstances of 1983. It then simply hardened into a general European rule in the 1990’s. Financial markets nowadays are much more aggressive than they were in 1981. There is no possibility of a two-year period of experimentation. The result will be very intense pressure for a rapid redesign of European institutions, with the risk that the outcome will lack credibility. )

quinta-feira, 19 de abril de 2012

A crise europeia e a experiencia japonesa

Vários têm referido que na crise atual se entrelaçam pelo menos dois tipos de problemas com uma conjuntura em que os problemas estruturais do euro são por sua vez também uma fonte primária de problemas:
- o problema de excesso de nível de endividamento, que precisa de ser resolvido, mas que também precisa de tempo (caso tipico da Grécia, e, em parte, o caso de Portugal - embora menos do que alguns políticos anunciam aos quatro ventos)
- o problema de "liquidity trap" (cilada de baixa liquidez) em que taxas de juro muito baixas retiram margem de manobran às politicas monetárias e fiscais devido á barreira da taxa nula (como impor taxas de juro negativas? deixar subir a inflação seria uma forma, mas isso deixa a Alemanha nervosa pois tende a desvalorizar o euro, o que não interessa à Alemanha - mas que por sua vez é uma necessidade urgente da zona euro, ver post anterior).
Richard Koo, "chief economist" do Nomura Research Institute, trata esta questão na comunicação à recente INET Conference (Berlim, abril de 2012), recordando as lições da crise japonesa. Koo assinala que a crise atual decorre em simultaneo de dois problemas macroeconomicos e de um problema de fluxo de capitais. O seu texto entitula-se "Revitalizing the eurozone without fiscal union".
O primeiro problema macro reside nos desiquilibrios fiscais por excesso de despesa pública, e o segundo problema é a descapitalização do setor privado depois da bolha (imobiliária) rebentar, num cenário em que as taxas de juro ainda por cima estão muito baratas. O setor privado está a tentar minimizar divida e não maximizar lucros, procurando poupar dinheiro mesmo com taxas de juro quase nulas, retirando liquidez à circulação monetária e desencadeando uma espiral deflaccionária, situação que Koo chama de "balance sheet recession (recessão pelo balanço)" e Krugman (e outros) chama de "cilada da liquidez (liquidity trap)".  Nesta situação as politicas monetárias são ineficazes:
  • Left unattended, these economies will follow the path of the US during the Great Depression, when GDP shrank 46 percent in just four years because everyone was paying down debt and there were no borrowers.
  • Monetary policy is largely ineffective in this type of recession because those whose balance sheets are underwater are not interested in increasing their borrowings at any interest rate.    Nor will there be many lenders, especially when the lenders themselves suffer from balance sheet problems. The only way to prevent the economy from falling into a deflationary spiral in such a recession—which happens only after the bursting of a debt-financed bubble—is for the government to borrow and spend the excess private savings.
  • Japan has used such policies to keep its GDP above bubble-peak levels for the last two decades even as an 87 percent decline in commercial real estate values prompted massive corporate deleveraging. Unfortunately, Japan’s lessons went largely unrecognized in the West until the 2008 Lehman failure and subsequent financial crisis
Os slides apresentados por Koo (e não incluidos no texto, e com um título diferente mas elucidativo: "The World in Balance Sheet Recession: What Post-2008 West Can Learn from Japan 1990-2005") mostram e comparam a crise recessiva ao nível do balanço nos paises europeus e no Japão. A figura seguinte (slide 19 de Koo) mostra como se gerou um volume enorme de poupança privada na zona euro, ao mesmo tempo que o setor público acumulava deficits crescentes:


(Os slides 20 e 22 de Koo mostram como essas situações se têm dado ao nível da Espanha e de Portugal).
Logo a situação atual vive um conflito entre dois problemas macroeconómicos com implicações contraditórias, um dos quais apela a políticas de austeridade e outro apela a estímulos fiscais. Koo assinala que, em simultaneo, a zona euro conhece um problema único relativo a fluxo de fundos, problema inexistente nos países de moeda própria (USA, UK, ...). O problema deriva de como transferir dentro da eurozona as assimetrias territoriais entre as disponibilidades de poupanças privadas (à procura de aplicações rentaveis) e as necessidades de financiamentos públicos, dentro de uma zona sem risco cambial, com baixas taxas de juro, mas agora com diferentes níveis de risco decorrentes da percepção clara de falta de união fiscal pelos mercados. Ver o elucidativo slide 18 de Koo: os mercados, que até 2008 viam o risco do euro como único para os países da eurozona, passam a partir daí a ver cada vez mais os riscos de cada pais como diferentes e autónomos, aumentando brutalmente a variancia das taxas:
Um problema que torna a situação muito mais dificil e complicada de gerir:
  • fund managers at French and German banks were busily moving funds into Spanish and Greek bonds a number of years ago in search of higher yields, and Spanish and Portuguese fund managers are now buying German and Dutch government bonds for added safety, all without incurring foreign exchange risk.
  • Indeed, the excess domestic savings of Spain and Portugal fled to Germany and Holland just when the Spanish and Portuguese governments needed them to fight balance sheet recessions. That capital flight pushed bond yields higher in peripheral countries and forced their governments into austerity when their private sectors were also deleveraging.
  • With the recipients, Germany and Holland, also aiming for fiscal austerity, the savings that flowed into these countries remained unborrowed and became a deflationary gap for the entire eurozone.    It will be difficult to expect stable economic growth until something is done about these highly pro-cyclical and destabilizing capital flows unique to the eurozone. 
Recessões deste tipo serão uma novidade - apesar do Japão a ter conhecido nas duas ultimas décadas. Mas poucos terão prestado atenção:
  • It took Japan ten years to climb out of the hole created by this policy mistake.    With the disastrous Japanese experience there for everyone to see, there is no reason for Spain, Ireland and other eurozone countries facing the same predicament to repeat Japan’s mistake.
Koo defende limitações ao mercado de dívida pública, que limitem estes fluxos perniciosos e preversos de capitais: não permitir endividamentos públicos transfronteiriços, limitando a compra de dívida pública ao seu próprio mercado, algo dificil de aceitar pelos eurocratas. Koo argumenta que nenhum dos tratados da UE prevê uma situação como a atual e por isso precisam de alterações, se é que se quer salvar o euro:
  • Limiting the sale of government bonds to citizens would be a small price to pay for saving one of mankind’s grandest and noblest accomplishments.
Vários têm recordado que cada vez mais a falta de opções na eurozona se aproxima do cenário do padrão ouro, que estve no cerne da crise da grande depresão. Por exemplo, em texto recente, Robert Skidelsky assinala que
  • Moreover, the eurozone itself is a mini-gold standard, with heavily indebted members unable to devalue their currencies, because they have no currencies to devalue. With fiscal, monetary, and exchange-rate policies blocked, is there a way out of prolonged recession?
(Itálicos da nossa responsabilidade)

(Atualização, 12 de Maio: Martin Wolf discute este paper de Koo, e as situações de "balance-sheet recession", em post do seu blog no Financial Times. E defende que a situação atual em que a divida dos USA (e do UK) aumenta, mas os juros caiem para próximo de zero, é precisamente uma situação desse tipo, que resulta numa brutal contração da procura agregada
  • The conclusion, then, is that we should not be surprised by what has happened to government bond yields in countries with balance-sheet recessions, floating currencies and a reasonable history of fiscal and monetary management. They have followed Japan because, as Mr Koo argues, they are very like Japan. This condition is also likely to last for a long time. There is no danger of a loss of creditworthiness in the medium term. Indeed the danger is rather the opposite: that the creditworthiness will last, as in Japan, for a dangerously extended period. )
(Atualização, 18 de Maio: Martin Wolf apresenta em outro post recente do seu blog no FT uma interessante versão da figura anterior sobre a convergencia (primeiro, 1992-98) e a divergencia (depois, 2008 até agora) das taxas de juro entre quatro importantes paises da eurozona (Alemanha, França. Espanha, Itália) e UK:
No período 1998 a 2008 toda a divida da eurozona era tratada quase da mesma maneira, e não muito diferente da divida britânica. A redução dos custos de endividamento dos chamados paises da periferia foi um dos bonus da adesão ao euro. O seu fim, criado pela posição alemão que desmistificou públicamente a falsa aparência de coesão e solidariedade financeira dentro da eurozona, ditou também a divergencia atual e a crise das dividas soberanas na Europa).