quinta-feira, 31 de maio de 2012

Mercassos, depois de Merkozy?

O Jornal de Negócios diz, sobre a ultima cimeira da UE em Bruxelas, que
  • "Alguns falaram durante imenso tempo e outros em apenas alguns minutos”, declarou Hollande, citado pelo “The New York Times”, referindo-se aos restantes 26 chefes de Estado e de governo que estiveram presentes.
Não era preciso citar o NYT: bastava ter visto a conferencia de imprensa de Holland nos canais de lingua francesa. 
Parece que o primeiro ministro português foi dos que mais falou. Nas declarações posteriores para a imprensa voltou com o discurso da ortodoxia germanica, continuando a ignorar os problemas estruturais dos mecanismos do euro, e a negar a necessidade de formas de mutualização da divida.
A reiterada recusa dos eurobonds é especialmente negativa: ao não ser capaz de assumir algum protagonismo em Bruxelas e procurar alianças estratégicas com outros países do sul da Europa, estará a condenar a economia portuguesa a uma experiencia desastrosa que provavelmente ficará para a historia da economia como um desastre potencialmente evitável, associado a alterações da posição geoestrategica da Alemanha reunificada.
No DN, Soromenho Marques comenta com uma veemência menos habitual:
  • No jantar do Conselho Europeu de quarta-feira, Passos Coelho - contrariando Monti, Hollande, Rajoy, Juncker, o FMI e a OCDE, entre muitos outros líderes e instituições - apoiou Angela Merkel contra as euro-obrigações. O escândalo racional da chanceler alemã é, assim, apoiado pelo mistério irracional do comportamento do primeiro-ministro português. A lógica da subserviência tem na decência, o seu limite moral, e no interesse nacional, o seu absoluto limite político. Passos Coelho está a rasgar todos os limites. Ele não se pode enganar no "P" ao serviço do qual se encontra. Ele foi eleito para servir Portugal e os portugueses. Não para se comportar como se o nosso retângulo fosse a província mais ocidental da Prússia.
Martin Wolf, no FT, fala precisamente da necessidade de ação contestária na eurozona:
  • Yet solutions may require a degree of political and economic radicalism beyond the member countries.
Hoje a Comissão anuncia mais um ano para a regularização do deficit público em Espanha, ao mesmo tempo que um Barroso surpreendentemente triunfalista fala de uma união bancária, com fundo de garantia, que uma vez mais pode facilitar muito a situação espanhola. Ou seja, o atrevimento e o bater do pé de Rajoy está a dar resultados, em especial quando de algum modo aparece associado a Holland. 

Mas Martin Wolf fala também da novidade da situação:
  • I do not know what the best or most likely way forward can be. But one must be found. The fragility of sovereign debt in the eurozone is potentially lethal, since it can push governments into unmanageable crises. Governments that would have been solvent if they had remained outside the eurozone are so no longer. Countries risk defaults of their governments and banks, together. This is likely to prove intolerable.
  • eurozone sovereigns are exposed to risks that sovereigns with floating exchange rates and central banks are not. Sovereign debt of eurozone countries seem to be far more fragile than that of countries with their own central banks. This issue is a relatively new one, so far as I know. But it is extremely important.
  • A freeze on liquidity may drive a solvent sovereign into default: we are then in the world of multiple equilibria. Thus a sovereign that could perfectly well avoid default if it had market confidence is, in the absence of a central bank, vulnerable to a run. The bonds of governments that lack their own central banks are exposed to an extra risk, in exactly the same way that the liabilities of banks without lenders of last resort are also exposed to risks that banks with lenders of last resort do not face.
Nos comentários ao texto de Wolf sente-se a preocupação no ar:
  • Frightening indeed - in earlier times the solution to this dilemma would have led to war. It still of course may lead to revolution .....which I suppose is 'less bad'!
(Itálicos da nossa responsabilidade)
Atualização: Silva Lopes, citado pelo Jornal de Negócios:
  • o tratado orçamental aprovado para os países da zona euro é uma "ideia sinistra" e vai ser "um desastre completo.
  • Aliás, tenho dúvidas que a própria União Europeia possa persistir durante muitos anos se não mudar as regras", afirmou também ao considerar que "querer resolver os problemas da UE só com austeridade não vai ser possível".

domingo, 20 de maio de 2012

O (grande) problema do clube


Parecem começar a emergir alguns sinais de que afinal uma saída da crise pode acontecer por outras vias que não pelas políticas irresponsáveis da chamada (pelos alemães e seguidores) "política responsável de dívida e deficit publico" dos países da eurozona, em especial da chamada periferia da eurozona. Pode muito bem estar a acontecer que as eleições gregos sejam um ponto de viragem: no fundo os gregos querem continuar no euro, mas não aceitam continuar a sofrer os efeitos das políticas depressivas de austeridade a longo prazo que lhes querem impor. E começa a ouvir-se que afinal pode haver maneira de conciliar as duas coisas e tornar os reajustamentos mais "socialmente responsáveis" e menos destruidores da sociedade e da economia. O meu palpite é que os eurobonds, ou instrumentos semelhantes de mutualização parcial de dívida na eurozona estarão de volta, na sequencia das eleições francesas, gregas e irlandesas.
Será muito interessante ver o resultado do referendo irlandês, em conjunto com o resultado das eleições gregas (primeira e segunda "volta"). E as evoluções das opiniões públicas de Espanha e da Itália nos próximos meses. Mas o que parece ser verdade é que se instalou realmente algum pânico em Berlim e Bruxelas quando se começou a perceber que as mensagens neo liberais dos tecnocratas financeiros estão a fermentar uma revolta nas urnas da europa meridional, e não só, e que afinal os gregos são mesmo capazes de quere bater o pé (e mesmo com a porta). Mesmo os partidos gregos pró-euro anunciam que pretendem renegociar as condições.
A intervenção recente de Durão Barroso começa a soar a patético: se a Grécia quer ficar no euro, tem que obedecer às regras do clube. Os gregos parecem estar a responder que se o clube quer que Grécia continue afiliada, então o clube tem que tratar a Grécia de outra maneira, mais de acordo com as políticas de governação do clube (que tem sido ignoradas) e com os objetivos de solidariedade do clube (também esquecidos).
Michael Pettis, um espanhol da Peking University’s Guanghua School of Management, e Senior Associate at the Carnegie Endowment for International Peace, faz uma boa discussão da posição espanhola, e conclui que (no cenário das políticas prevalecentes), a Espanha terá inevitavelmente que abandonar o euro por progressiva pressão da opinião pública. A leitura da newsletter, Europe's Depressing Prospects, recomenda-se. Embora se dirija ao caso da Espanha, o paralelismo com a Itália e Portugal é obvio. 
Pettis faz uma interessante análise da posição alemã, que será muito menos airosa do que parece e do que se pretende fazer crer:
  • Germany has a potentially huge debt problem on its balance sheet. As a consequence of its consumption-repressing policies during the decade before the crisis, Germany’s domestic savings rate was forced up to much higher than it otherwise would have been and Germany has had to export the excess capital. Not surprisingly, given European monetary dynamics, this capital has been exported largely to the rest of Europe in order to fund the current account deficits of peripheral Europe that corresponded to the surpluses Germany so badly needed to grow. 
  • It did this not by accumulating euro reserves, which it could not do anyway, but rather by accumulating loans to peripheral Europe through the banking system. As a result of all of these loans, Germany is rightly terrified that a wave of defaults in Europe will cause its own banking system to require a state bailout if it is not to collapse, and so it does not want to cut taxes and reduce savings because it believes (wrongly) that austerity will make it easier to protect its creditworthiness. 
  • But German’s anti-consumption policies are leading it towards a debt problem in the same way that similar US policies in the late 1920s created an American debt crisis during the next decade.
  • By refusing to take steps that seem on the surface to undermine its creditworthiness, Berlin will only ensure the debt moratorium that will probably demolish its creditworthiness anyway. 
  • I think Berlin is betting that if they can prolong the crisis long enough, while pretending that the problem is one of liquidity, not solvency, they can recapitalize the German (and other European) banks to the point where they eventually are able to recognize the obvious and take the losses.
Também a análise dos (inevitáveis) mecanismos de espiral recessiva das políticas de austeridade parece bastante clara nesta newsletter. Em particular a inevitabilidade de um desemprego insustentavel a longo prazo
  • unemployment must remain very high for many years so that wages either decline, or rise by less than inflation and relative productivity growth. This is pretty straightforward. 
A responsabilidade da saída da crise é de todo o clube, mas as implicações parecem ser insuportaveis para alguns membros do clube, ainda por cima com responsabilidades na crise:
  • The responsible thing to do is to acknowledge that the euro is indefensible and that Germany’s refusal to share the adjustment burden, after it absorbed most of the benefits of the mismanaged monetary position it imposed on the rest of Europe, means that Spain will be forced to take on far more than its share of the cost. 
As assimetria da poupança privada dentro do espaço intra comunitário e especialmente da eurozona, assim como da balança de comércio externo e da produtividade do trabalho são consequências de disfuncionalidades dos mecanismos da EU e do euro, que obrigam o clube a repensar-se. 
Pettis defende que a melhor opção para a Espanha é sair do euro, mesmo que isso seja inevitavelmente doloroso. Mesmo assim seria melhor do que ficar amarrado ao euro, à rigidez da eurozona (o tal clube de Durão Barroso) e a políticas irresponsáveis (as tais regras do clube de Durão Barroso).
É isto que é mesmo muito preocupante e um sinal que não se pode continuar a ignorar: depois de tantos esforços e sucessos na criação e implementação do sonho da Europa (UE), vozes responsáveis defendem que é melhor abandonar o clube e o sonho, tudo porque o clube parece estar a transformar-se num instrumento de liquidação do sul da europa pelo norte, e em especial por uma Alemanha reunificada, para quem o interesse do clube parece estar a desvanecer-se, ou mesmo a perverter-se. E nessas condições ficar no clube será (para a Espanha, como para Portugal ou Itália)  um suicidio assistido a prazo.

(Itálicos da nossa responsabilidade)

(Adição: por falar em clubes - uma foto notavel de atualidade, no inicio do post)

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Grexit or UExit?

Apesar de algo equivoco, o recente editorial do FT sobre a crise europeia e da Grécia, Euro’s last turn before the Grexit, tem alguns pontos relevantes:
  • Only in the context of a euro-wide relaxation of budget targets – which has become a live possibility in remarkably little time – can a modification of Athens’ programme be envisaged. Even that, however, is unlikely to gain strong political backing from Greeks, and may in any case come too late.
  • If the common currency disintegrates, it will be because monetary union and national responsibility for banks are an unsustainable combination. Policy makers understand this now.
  • If the eurozone blanched at pushing Greece out the door – and despite the tough talk, many leaders will hesitate – the only way it could avoid it would be by saving Greece’s banking system from collapse even if the sovereign defaulted.
Entretanto, James Galbraith (da UT at Austin) comentava numa interessante entrevista:
  • the pretense had to be given to the German electorate that this was assistance to Greece in return for Greek sacrifices. The only thing that was real about that was the sacrifices. Those were palpable, they provided a justification for the policy, but there was no assistance to Greece associated with this.
Mais do que a incapacidade grega para implementar as reformas (apesar de tudo, foram feitos passos enormes de austeridade pelos gregos), é a incapacidade da UE em propor políticas razoáveis à Grecia (e outros!) que se está a revelar desastrosa. Cinco anos de programa e o desastre parece não ter fim. Quem se pode admirar dos gregos estarem fartos da incapacidade de Bruxelas e de Berlim?
Este parece ser um momento de potencial viragem: ou o colapso do euro (e da UE) ou alguém capaz de reconhecer que é o momento da mutualização da divida e das políticas fiscais comuns, com programas de coesão para a periferia. Um Europa federal. (Tal como a Alemanha federal ... ).

(Atualização, 21 de maio, editorial do The Economist, onde também se fala de "Eirexit, Porxit, Spaxit and Ixit":
  • The Greek election is in effect a referendum on whether the country will stay in the euro. It is not completely without hope. A new Greek coalition which vowed to stick to the rescue deal would in fact gain some help from the rest of Europe. At the same time, with the promise of a common banking backstop and some form of Eurobonds, the euro would at last start to look as if it could survive and the dangers of contagion would fall away.
  • The financial re-engineering of Europe is a prerequisite for the euro to survive. Greece is bringing forward that moment of truth. And yet politicians, particularly in Germany, have still to accept the logic, let alone explain it to voters. The prospect of a Greek exit means they must begin to do so—and fast.)
(Itálicos da nossa responsabilidade)

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Stiglitiz: a austeridade como crime

O último post de Joseph Stiglitz, prémio Nobel de economia, no Project Syndicate, é um gritante apelo aos lideres europeus para cessarem uma política "criminosa" que está a destruir a maior economia do mundo e o capital humano da sua juventude, logo a destruir parte do capital humano da próxima geração europeia:
  • So many economies are vulnerable to natural disasters – earthquakes, floods, typhoons, hurricanes, tsunamis – that adding a man-made disaster is all the more tragic. But that is what Europe is doing. Indeed, its leaders’ willful ignorance of the lessons of the past is criminal.
  • The pain that Europe, especially its poor and young, is suffering is unnecessary. Fortunately, there is an alternative. But delay in grasping it will be very costly, and Europe is running out of time. 
  • If the euro survives, it will come at the price of high unemployment and enormous suffering, especially in the crisis countries. And the crisis itself almost surely will spread.
O espectro de uma união financeira incompleta e sem credor de ultimo recurso continua a limitar as opções
  • Europe as a whole is not in bad fiscal shape; its debt-to-GDP ratio compares favorably with that of the United States. If each US state were totally responsible for its own budget, including paying all unemployment benefits, America, too, would be in fiscal crisis. The lesson is obvious: the whole is more than the sum of its parts. If Europe – particularly the European Central Bank – were to borrow, and re-lend the proceeds, the costs of servicing Europe’s debt would fall, creating room for the kinds of expenditure that would promote growth 
No mesmo dia, Merckel reafirmou a sua politica de austeridade para os países do sul da europa, como a única alternativa possível.

(Itálicos da nossa responsabilidade)

(Adição: de um post do Free Exchange, no The Economist:
  • The austerity is there. If it isn't working out as many expected, that's either because what they expected was unreasonable, or because the central bank isn't doing its part.)