segunda-feira, 26 de março de 2012

Ainda as maratonas e os sprints

Em post anterior referimos a questão do sprint versus maratona, no contexto da crise europeia: alterações fiscais de grande envergadura precisam de tempo para não degenerar em recessões, e precipitar austeridades súbitas tem efeitos negativos a médio prazo, porque cria as condições para uma espiral recessiva, sem perspetivas de crescimento.
O primeiro ministro vem agora dizer que afinal estamos numa maratona - mas  está a querer correr uma maratona recorrendo a táticas baseadas em corridas de alta velocidade e curta duração, com sprints inúteis e desgastadores.

domingo, 25 de março de 2012

Expansão pela austeridade?

Caffiso e Cellini (da Universiade de Catania) discutem recentemente a possivel viabilidade de uma via expansionista através das políticas de austeridade. As conclusões não são muito assertivas dessa viabilidade, como o próprio título do post indica: "Fiscal consolidations for debt-to-GDP ratio containment? Maybe … but with much care":
  • The very simple problem with fiscal consolidations for debt-to-GDP ratio containment is that the restrictive effect of a fiscal consolidation on GDP might well offset the deficit reduction and cause an undesired debt-to-GDP ratio increase.
  • the evidence suggest the case for fiscal consolidation is rather weak.
Krugman no seu blog atira-se às políticas "ignorantes" do BCE sob a anterior liderança (e não parece claro que a atual liderança siga vias muito diferentes):
  • But from Trichet? After all, his hallmark during the crisis was his willingness, even compulsion, to throw the things we actually do know out the window. He tossed everything we know about aggregate demand out in favor of the fundamentally implausible (and now failed) doctrine of expansionary austerity. He ignored what we know about inflation and the difference between transitory shocks to raise interest rates in the face of an obviously temporary blip.
  • And now, having willfully rejected and ignored what macroeconomics had to say, he complains that macroeconomics doesn’t offer useful policy guidance. Awesome.
Noutro post de Krugman:
  • Specifically, if allowing an economy to remain persistently depressed reduces long-run growth prospects — and there’s pretty good evidence to that effect — then austerity in a depressed economy has enormous costs, and may even lead to a vicious circle of shrinking potential leading to even more austerity and so on. Indeed, maybe that’s happening to the Cameron government right now.
  • So will the austerians admit that they might be making a terrible mistake, that far from safeguarding the future they may be destroying it?
(itálicos da nossa responsabilidade)

quinta-feira, 22 de março de 2012

TGV: um desastre para Portugal

O que está a acontecer com o contrato do TGV são péssimas noticias para Portugal, por várias razões:
- em primeiro lugar, porque é mais um contributo para aumentar o atraso português - se até aqui Portugal estava atrasado mais de vinte cinco anos em matérias de transporte ferroviário de alta velocidade (pessoas e mercadorias) dentro da rede europeias, agora passa a estar pelo menos trinta e cinco anos. Num país periférico sob o ponto de vista geográfico, a importância das ligações ao centro da Europa por ferrovia de alta velocidade é ainda maior do que para os países do próprio centro da Europa. O arranque do troço previsto era uma ultima esperança de que, apesar de tudo, se poderia manter a esperança de que o processo ia começar a andar, mesmo que devagar.
- em segundo lugar, porque é mais um contributo negativo para as finanças públicas. Os jornais falam em qualquer coisa como 300 milhões de euros de indemnização ao consórcio lesado. Despesa sem qualquer contrapartida para a sociedade - disto nada fica de investimento duravel. E ninguém espere que o consórcio deixe de reclamar os seus direitos.
- em terceiro lugar porque se perde uma obra pública cuja execução teria manifestas reprecursões positivas (emprego, ...) na economia atual. Sim, porque não é com o colapso do investimento público que se incentiva a economia - mais do que uma questão académica de economistas de água doce versus economistas de águas salgadas, é a construção de um futuro melhor que está em causa. Não é criminoso criar divida pública (é assim que os países se desenvolvem) para as gerações seguintes, o que é criminoso é não lhes deixar uma infraestrutura de transportes competitiva e melhor do que a que se encontrou.  Recordo umas considerações de Krugman há poucos dias:
  • When a family tightens its belt it doesn’t put itself out of a job. When a government tightens its belt in a depressed economy, it puts lots of people out of jobs; and this is a negative even from the government’s own, narrowly fiscal point of view, since a shrinking economy means less revenue.
  • For the results of austerity policies in Europe have been as good a test as you ever get in macroeconomics, and without exception big cuts in government spending have been followed by big declines in GDP.
Não há dinheiro para o TGV? É claro que o momento atual não ajuda. Mas vai ter que haver dinheiro para pagar as indemnizações (provavelmente depois de guerras nos tribunais). E provavelmente vão-se perder as contribuições comunitárias. Modelo alternativo ao TGV? Muita parra e pouca uva: afinal nunca ninguém ainda viu que essa ideia exista, esteja configurada e passe no escrutínio público. Quando por motivos ideológicos não se quer fazer obra pública, as finanças têm as costas muito largas ...
Seria bom que se recordasse o efeito devastador que teve a crise financeira da ultima década do século XIX sobre o desenvolvimento da rede ferroviária em Portugal e, de uma forma geral, sobre o desenvolvimento português. As mazelas das suas consequencias continuam hoje, mais de cem anos depois, bem visiveis. E entretanto gerações de portugueses têm tido uma vida mais difícil porque Portugal nunca construiu uma rede ferroviária decente. Com o abandono do TGV só se está a agravar isso, sendo que é óbvio que mais cedo ou mais tarde o projeto terá que ser retomado, uma vez mais atrasado. E a especificidade do investimento ferroviário não ajuda.

Atualização, 18 de setembro 2012: Não só ficamos sem TGV, e sem o seu efeito positivo como estimulo à economia durante a construção e depois na operação, como ainda vamos pagar uma conta choruda. Tal como em Foz Coa (com a EDP), a suspensão, por razões de conjuntura política, de obras adjudicadas acabam em fabulosos negócios para as empresas contratantes, a quem verdadeiramente saiu inesperadamente o euromilhões ...
Ver noticia no J. Negócios online, aqui.

quarta-feira, 21 de março de 2012

E a crise da Holanda?

Será interessante seguir o caso da Holanda, que pode vir a ser um episódio mutio significante da zona euro e do seu futuro.Um os países defensores da linha duro do Euro, membro do cada vez mais exclusivo clube de países com um rating AAA, um dos tais países fiscalmente prudentes e cuidadosos "do norte" e nada como os espalhafatosos e pouco cuidados (com os dinheiros) países meridionais do mediterraneo ou próximo, vê-se afinal a braços com problemas de deficit, e um eleitorado que parece pouco predisposto a aceitar políticas de austeridade (ver aqui). A coligação no poder desfez-se, até porque um dos partidos passou a defender a saída do euro e o restabelecimento da moeda antiga. O seu nível de endividamento já é superior os 60% definidos no  acordo assinado na última cimeira europeia.
O sentimento é que o euro foi um mau negócio para a Holanda (e uma comparação com a Suécia e com a Suiça, que nunca aderiram ao euro, parece suportar isso), e que estão a ter que pagar as consequências do tais países do sul, que se endividaram demais quando isso era fácil e barato.
Num artigo recente do Guardian (Dutch government in lockdown as AAA-rated country comes unstuck) comenta-se
  • Most analysts agree the Dutch economy is fundamentally sound and a dogmatic application of the new eurozone rules next year will do much more damage than good.
  • The euro crisis could yet bring down another eurozone government – even in a country as prosperous and successful as the Netherlands.
Afinal a questão não parece ser um exclusivo desses tais gastadores inconscientes e meridionais - não fosse ela uma consequencia de um problema estrutural do próprio euro.


Propaganda ou motivação? Controlo ou descontrolo?

O ministro da economia desmultiplica-se em afirmações de fé sobre a bondade da austeridade e da política fiscal do governo, tentando influenciar audiências estrangeiras. Nos EUA, adianta mesmo uma data firme para o regresso de Portugal aos mercados internacionais, no próximo ano.
Uma jogada de alto risco, um voluntarismo inconsciente ou uma  convição firme e certeza? O futuro dirá. Mas é óbvio que fica políticamente refém destas afirmações.
Se o objetivo é reconfortar e motivar os agentes economicos e os investidores a todo o custo, então estamos a ver este governo a seguir exatamente as pisadas do anterior governo, que tanto criticaram exactamente por "mentir". Propaganda? Publicidade enganosa?
Anteriormente, já o ministro tinha feito afirmações categóricas (ver aqui). O que é que dá tanta convição ao ministro? O que é que ele sabe, que nós não sabemos?
O que nós sabemos é que mais uma vez isto acontece precisamente quando por cá se sabe que a execução do orçamento este ano continua má, que o deficit público afinal parece estar a aumentar, que a despesa central continua a aumentar e que a receita dos impostos continua a cair. Especialmente preocupantes são dois indicadores: quebra do IVA e forte aumento dao deficit da administração central. Até parece que uma coisa é cortina de fumo para a outra ...

(Actualização: factores excepcionais e não recorrentes justificam o descontrolo orçamental, e afinal a execução está sob controlo? Dificil de aceitar isso quando as causas anunciadas faziam precisamente parte do orçamento proposto pelo próprio governo. E aind mais dificil de aceitar quando se escamoteia que na receita também há significativas componentes não previstas - ver aqui. Ou a tentação da manipulação da informação ...)

(Actualização: afinal uma das principais desculpas sugeridas para o descontrolo da despesa, é neutro sob o ponto de vista fiscal, diz o Expresso. A ser assim, quer o primeiro ministro quer os ministros mentiram - e não se argumente com erros técnicos de análise das contas.)

terça-feira, 20 de março de 2012

Retornos crescentes na blogosfera e na economia

A propósito da economia da blogosfera americana versus europeia sobre a própria economia, o blog Free Exchange do The Economist, descreve um bom exemplo de um caso  com retornos cescentes:
  • The interconnectedness of the blogosphere allows it to take advantage of increasing returns to scale—the more participation in the conversation there is, the more value there is to everyone to participating in the conversation. The potential audience for any post becomes larger, which encourages writers to write more and better posts, of the sort likely to be linked into greater readership. As the extent of the conversation increases, there are more opportunities for specialisation—investment in narrow areas of expertise that make the blogosphere a richer and deeper place. 
  • There are some offsetting costs like congestion; given the scarcity of time and attention additional blog posts do crowd out others at some point. Yet in most cases—certainly in America's economic blogosphere—the whole is vastly more productive than the sum of the parts.

Ainda Keynes versus Friedman, via Krugman.

Em 2007 Krugman escreveu no NY Book Review um dos textos mais polémicos sobre Fridman e os monetaristas; "Who was Milton Friedman?", a que acrescentou em 2009 uma outra contribuição,  no NYTimes: "How did economists get it so wrong?". Ambos os textos provocaram acesa polémica. John Cochrane, economista da Universidade de Chicago respondeu-lhe com um polémico "How did Paul Krugman get it so wrong?" (2009). Krugman voltou à carga em "Mr. Keynes and the moderns" (2011), a propósito do 75º aniversário da publicação da Teoria Geral ..., por Keyynes. O recente "texto de Lisboa", "Economics in the crisis", por Krugman (assinalado em post anterior) é uma continuidade desta polémica, que tem tido sempre por trás a questão do keynesianismo versus não (ou anti) keynesianismo / monetarismo e outros .
No seu blog no NYT, Krugman discutia recentemente Friedman, remetendo o monetarismo para um caso especial de keynesianismo:
  • The truth, although nobody on the right will ever admit it, is that Friedman was basically a Keynesian — or, if you like, a Hicksian. His framework was just IS-LM coupled with an assertion that the LM curve was close enough to vertical — and money demand sufficiently stable — that steady growth in the money supply would do the job of economic stabilization. These were empirical propositions, not basic differences in analysis; and if they turn out to be wrong (as they have), monetarism dissolves back into Keynesianism.
  • It’s worth pointing out, by the way, that this time the Fed did all that Friedman denounced it for not doing in the 1930s. The fact that this wasn’t enough amounts to a refutation of Friedman’s claim that adequate Fed action could have prevented the Depression
David Glassner, no blog UneasyMoney, comenta esta análise de Friedman: "Was Milton Fridman a closet keynesian?".
  • But Krugman is not totally right either.  Although Friedman obviously liked the idea that the LM-curve was vertical, and liked the idea that money demand is very stable even more, those ideas were not essential to his theoretical position.
  • What really mattered was the idea that, in the long run, money is neutral and the long-run Phillips Curve is vertical.  Given those assumptions, Friedman could argue that ensuring reasonable monetary stability would lead to better economic performance than discretionary monetary or fiscal policy.  But Friedman, as far as I know, never actually considered the possibility of a negative equilibrium real interest rate.  That’s why, when we look for guidance from Friedman about the current situation, we can’t be completely sure what he would have said.

sábado, 17 de março de 2012

A França num beco sem saida? Só a França?

Brigitte Granville (U. Londres) faz uma análise pouco animadora dos cenários para a França  nos próximos anos (dois ou tres a seguir às eleições, no máximo), no Project Syndicate, com o título "The French Cul de Sac":
  • While the euro has not caused France’s economic problems, its politicians’ commitment to the single currency represents an insurmountable barrier to solving them.
  • With the only effective solutions – full-blown eurozone political union, or abandoning the euro – ruled out, muddling through is all that is left. Another name for this approach is “transfer union,” which implies relentless economic austerity and declining living standards, because strong countries – first and foremost, Germany – are determined to limit their liability for bailing out deficit countries by making all transfers conditional on tough budget retrenchment.
  • At the same time, financial markets are forcing fiscal retrenchment on governments, as will the planned new fiscal treaty (on which Germany, among others, insisted). Demand is therefore being drained out of the eurozone economies, with stronger external demand, stemming from the euro’s depreciation against other major currencies, unable to offset the effect on growth.
  • France’s response to the tension between preserving the European project (equated with the single currency) and avoiding a chronically depressed economy will be to put off the day of reckoning for as long as possible. This dead-end strategy will feature vain attempts to game Germany and desperate economic expedients, such as the essentially coercive capture of domestic savings to finance government debt. But the day of reckoning will come, and France’s ruling establishment will be judged harshly when it does.
A questão é que este cenário não é (será) só da França. Mas também da Espanha e da Itália. E claro da Irlanda e Portugal.
Junte-se a isso os potenciais problemas que estão a nascer: a Hungria, por exemplo.

(Atualização: editorial do The Economist, 31 março 2011
  • France has enviable economic strengths: an educated and productive workforce, more big firms in the global Fortune 500 than any other European country, and strength in services and high-end manufacturing. However, the fundamentals are much grimmer. France has not balanced its books since 1974. Public debt stands at 90% of GDP and rising. Public spending, at 56% of GDP, gobbles up a bigger chunk of output than in any other euro-zone country—more even than in Sweden. The banks are undercapitalised. Unemployment is higher than at any time since the late 1990s and has not fallen below 7% in nearly 30 years, creating chronic joblessness in the crime-ridden banlieues that ring France’s big cities. Exports are stagnating while they roar ahead in Germany. France now has the euro zone’s largest current-account deficit in nominal terms. Perhaps France could live on credit before the financial crisis, when borrowing was easy. Not any more. Indeed, a sluggish and unreformed France might even find itself at the centre of the next euro crisis. 
  • France’s picnickers are about to be swamped by harsh reality, no matter who is president.
Ver ainda "An inconvenient truth", The Economist, 31 março:
  • The awkward truth is that France, the second-biggest economy in the euro zone after Germany, faces a public-finance squeeze.
  • Today France continues to behave as if it enjoyed Sweden’s or Germany’s public finances, when in truth they are closer to those of Spain.
  • This erosion of French competitiveness raises hard questions about the underlying social compact. Frenchmen cherish the notion that everyone has an equal right to decent services in good times and a generous safety net in bad. But what sort of level of support, in sickness, joblessness, infancy or old age, can France really afford to offer its citizens? 
  • Put simply, France is about to face the tough choices that Gerhard Schröder, Germany’s former chancellor, confronted in the early 2000s or that Sweden did in the mid-1990s, when its own unsustainable social system collapsed.
  • The French live with this national contradiction—enjoying the wealth and jobs that global companies have brought, while denouncing the system that created them—because the governing elite and the media convince them that they are victims of global markets. 
  • The inconvenient truth is that whoever emerges the victor on May 6th will need to show a tough approach to the deficit, in the face of wary bond markets and possible recession.)

terça-feira, 13 de março de 2012

A experiencia sueca e o euro

Lars Calmfors, da Universidade de Estocolmo e  presidente do conselho de política fiscal da Suécia, recorda as lições da experiencia sueca depois da crise de 1991-93 em "What can Europe learn from Sweden? Four lessons for fiscal discipline". Recorde-se que nessa altura o deficit anual da Suécia chegou a 11%.
  • The explanation of the strong fiscal performance is that the 1990s fiscal crisis forged a broad political consensus that Sweden should never again end up in a similar situation.
  • There exist no formal enforcement or sanction procedures. The Swedish fiscal performance suggests that transparency and a high-quality economic policy debate might be more important for budget discipline than formally binding rules.
  • The Swedish economy grew because of a large real exchange rate depreciation. In 1991-1993, relative unit labour costs fell by 20%. This was due mainly to a depreciation of the nominal exchange rate. The result was a boost to net exports.
  • The exchange rate depreciation in the early 1990s kick-started the economy, greatly facilitating the fiscal consolidation. But there was also a long-term rise in the growth rate.
As conclusões não dão muitas esperanças a uma zona euro sem uma politica fiscal única, ou seja, sem formas mais avançadas de federalismo. Surpreendentemente, os paises da UE começam a descobrir que em situações de crise e sem expansões continuadas da economia, a moeda comum na realidade pode ser um grave obstáculo à flexibilidade fiscal necessária para cada país resolver os seus problemas. Portugal não é grande problema para o Euro, mas o Euro é um problema sério para Portugal - aliás a causa directa do subito agravamento da situação financeira portuguesa. Não admira que a Suécia continua, e queira continuar, fora da zona Euro:
  • Sweden shows that a deep fiscal crisis can forge a political consensus on the need for budget discipline and trigger comprehensive reforms of the fiscal framework. This may provide cause for some optimism regarding the Eurozone. But the Swedish experiences also suggest that transparency and a high-quality policy debate may be more important for fiscal discipline than the German-type binding rules and automatic correction mechanisms that the Eurozone seems now to be heading for. Most importantly, Sweden illustrates the importance of swift real exchange rate depreciation for fiscal consolidation. Without it, fiscal retrenchment is bound to hurt growth and the consolidation process to be long and painful. In this sense, the Swedish experiences do not offer any consolation for the crisis countries in the EUrozone, which with the common currency have no instrument for a real exchange rate depreciation. 
(highlights a amarelo da nossa responsabilidade).

segunda-feira, 5 de março de 2012

Krugman em Portugal (II)

Krugman publica hoje no seu blog o texto que apresentou na cerimónia em Lisboa, sob o título "Economics in the crisis". Um texto de reflexão intelectual sobre a economia, os economistas e a crise atual, que transcende o circunstancialismo dos dias do evento. Apreciamos a sua qualidade e ficamos na expectativa de o ver integrado em futras contribuições académicas  de Krugman.
Curiosamente não vi muito sobre o seu conteúdo nos jornais portugueses, para além de um ou outra referencia ao falhanço dos economistas na previsão da crise. Mas o texto de Krugman vai bastante para além disso. Os jornais refugiaram-se antes antes nas questões da responsabilidade da crise atual em Portugal e na UE, e acima de tudo na critica às politicas fiscais prevalecentes - sobre as quais é bem conhecida a opinião negativa e reticente de Krugman (ver por exemplo alguns dos nossos posts anteriores: aqui e aqui), em geral com base em pequenas entrevistas (quase todas ditas exclusivas) à margem do evento.
Este texto de Krugman pode ser interpretado como um um novo capítulo da polémica sobre os economistas de águas doces versus economistas de águas salgadas, na sequencia do seu famoso texto de 2009 ("How did economists get it so wrong?").
Mas há aqui menos polémica e mais profundidade. Este "texto de Lisboa" de Krugman promete.
Pelo meio aparece o renovado reconhecimento da pertinência da teoria keynesiana, de águas salgadas, para a análise na situação atual:
  • And those who knew IS-LM and used it – those who understood what a liquidity trap means – got it right, while those with lots of real-world experience were wrong 
  • Everyone in the profession knew IS-LM analysis; everyone understood the case for expansionary monetary policy to fight recessions when it was available, and at least understood the argument that there are times when conventional monetary policy is not available and fiscal policy may be the best tool at hand.
  • who knew the IS-LM model understood that. But too much of the economic profession had lost the hard-won understanding of earlier generations
Os meus outros sublinhados:
  • But even pessimists like me, even those who realized that the age of bank runs and liquidity traps was not yet over, failed to realize how bad a crisis was waiting to happen – and how grossly inadequate the policy response would be when it did happen.
  • a paradox: times of economic disturbance and disorder, of crisis and chaos, are times when economic analysis is especially likely to be wrong. Yet such times are also when economics is most useful.
  • failing even to see that something like this crisis was a fairly likely event.
  • the experience of peripheral European countries, Portugal included, where wage declines have so far been modest even in the face of very high unemployment.
  • What happened, in fact, was that to a large extent policy makers ended up going for economic doctrines that made them feel comfortable, that corresponded to the prejudices of men not versed in economics.
  • It’s also normal to think of economics as a morality play, a tale of sin and redemption, in which countries must suffer for their past excesses. Again, this normal reaction is wrong, or at least mostly wrong – mass unemployment does nothing to help pay off debt.
  • There were some economic studies used to justify the doctrine of expansionary austerity – studies that quickly collapsed under scrutiny.
  • The best you can say about economic policy in this slump is that we have for the most part avoided a full repeat of the Great Depression. I say “for the most part” because we actually are seeing a Depression-level slump in Greece, and very bad slumps elsewhere in the European periphery. Still, the overall downturn hasn’t been a full 1930s replay. But all of that, I think, can be attributed to the financial rescue of 2008-2009 and automatic stabilizers.
  • In normal times, when things are going pretty well, the world can function reasonably well without professional economic advice. It’s in times of crisis, when practical experience suddenly proves useless and events are beyond anyone’s normal experience, that we need professors with their models to light the path forward. And when the moment came, we failed.
Recordo ter lido um comentário do (iluminado) professor Braga de Macedo, antes do dia da cerimónia, em que comentava que a defesa que Krugman faz da teoria e políticas keynesiananas na análise da situação atual não o surpreende, pois seria tipica da pouca importancia que os keyneianos dão ao endividamento na economia. Não seria certamente a pensar nele que Krugman disse no texto que:
  • it shouldn’t have been hard to realize that an institution using overnight borrowing to invest in longer-term and somewhat illiquid assets was inherently vulnerable to something functionally equivalent to a classic bank run ... And I plead guilty to falling into that fallacy.
  • The banking system became, de facto, largely unregulated and unsecured. Leverage rose, both fueling and fueled by housing bubbles (and, in Europe, the false confidence fostered by the creation of the euro. 
Claro que a presença de Krugman não pode ser políticamente irrelevante. Tal como aconteceu com Stiglitz, algumas semanas antes, esta presença de um Nobel da economia em Lisboa pode ser lida também como um voto de desconfiança da academia no atual poder político e nas suas políticas macroeconomicas, num momento de inevitável confronto (julgo que de raiz mais oportunista sobre as condições de financiamento da academia do que própriamente por razões profundas de ideologia).
Mas neste caso terá tido uma mensagem subliminar sobre política universitária: um doutoramento deste tipo, nestas circunstancias, parece ter servido acima de tudo para promover a bandeira da fusão das instituições universitárias de Lisboa. Ora essa é uma politica bem do agrado do poder atual: concentrar, sob o argumento economicista, desde que seja concentrar em Lisboa - tudo em nome de economias de escala e de proximidade. Sobre o assunto, referência ao texto de Manuel Heitor numa das ultimas edições do Expresso ("Que universidades para Lisboa?", pdf).
Entretanto o ministro das finanças (para quem Nicolau Santos, do Expresso, pediu que se atribuisse um prémio Nobel se as atuais politicas resultassem) veio logo desvalorizar as afirmações contundentes de Krugman, e defender um ciclo não preverso para a política de austeridade, garantindo que não há evidência de uma espiral recessiva na economia, e assegurando que as medidas de austeridade evitam uma austeridade “mais descontrolada” - precisamente quando as estatísticas suegerem o contrário.
Num post recente do seu blog, em que Krugman anuncia o seu novo livro ("End this depression now!"), faz um forte comentário complementar ao texto de Lisboa:
  • we are suffering continuing huge human and economic losses for no good reason, and that with intellectual clarity and political will we could and should restore full employment quickly.
(Itálicos da nossa responsabilidade).