quarta-feira, 18 de abril de 2012

Ainda a Espanha e a crise europeia

No post anterior mostrou-se que o nível de endividamento público da Espanha foi, na última década, inferior ao endividamento da Alemanha (e da França). Mas não é só no nível de endividamento que a Espanha mostrou uma boa performance durante a década. Também na questão do deficit a performance espanhola foi melhor do que a alemã.
Em 2007, a evolução do deficit público espanhol e alemão era como se mostra na figura:


Entre 2001 e 2005 a Alemanha teve deficits governamentais acima dos 3% do PIB - uma reiterada e grave violação das regras europeias (segundo o pensamento atual da própria Alemanha), enquanto que a Espanha tinha baixíssimos níveis de deficit público (menos do que 1%, e mesmo superavit entre 2005 e 2007).
Em 2007 a Alemanha tinha corrigido a trajetória e mostrava um superavit marginal - enquanto que na Espanha era significativo (cerca de 2%).
Logo, em vésperas da crise financeira, a situação era bem clara, e quem tinha as finanças publicas em ordem era muito mais a Espanha do que a Alemanha. E quem tinha uma história de prevaricação e de incumprimento das regras da UE era a Alemanha.
A situação atual da Espanha nada tem portanto a ver com deficits públicos excessivos e/ou reiterados, nem com endividamentos excessivos e irresponsaveis. A atual narrativa alemão sobre a crise é uma fantasia, e a sua apropriação pela direita ultra liberal é oportunismo ideológico.
O economista alemão Norbert Walter, anterior "chief economist" do Deutsche Bank Group e responsavel pelo Deutsche Bank Research., comentava em recente comunicação ("The culprit of the global crisis - the german mercantilism!"), apresentada na conferencia do INET Institute for New Economic Thinking, em Berlim (abril 2012):
  • In the 1990s, the German current account was permanently deep in the red. German real estate prices were far too high, as were unit labor costs due to the effects of unification and a highly pro-growth policy. This led to a debate about the country’s lack of competitiveness, and it was even labelled “the sick man of Europe”. It is astounding that internationally there is no recollection of something as recent as this.
Em 2009 a situação dos deficits tinha-se alterado, e a Espanha, quase de súbito e na sequência do rebentar da bolha privada no imobiliário, conhece um expressivo deficit público,  superior a 10%, enquanto que o deficit alemão também subia, e voltava mesmo a ultrapassar novamente o limite máximo dos 3% definido pelas regras comunitárias:


Note-se que até 2010 o comportamento (tendencias) do deficit italiano (também incluido nesta ultima figura) não era muito diferente do alemão.
O caso espanhol mostra que:
- que a questão europeia é mais do que uma questão de gastos excessivos de governos sem controlo na despesa, mas é sim um problema sistémico associado aos mecanismos da zona euro;
- que a crise não é uma história de excessos irresponsaveis - embora isso tenha tido um papel na Grécia. Mas convém recordar que irresponsabilidades existiram quer do lado da Grécia, quer das autoridades europeias e dos países parceiros (Alemanha incluída) que durante algum tempo foram fechando os olhos ao que por lá se passava;
- que a enfase obcessiva sobre baixos déficits publicos (veja-se a ultima alteração do tratado) não é "silver bullet" para muios dos problemas que podem ocorrer no presente e no futuro da zona euro, e estará longe de garantir a estabilidade da zona euro.

(Fonte dos dados: Eurostat, "General government deficit/surplus"; itálicos da nossa responsabilidade)


(Atualização, 17 maio: De um bom artigo no FT sobre as diferenças entre a Grécia e a Espanha ou Irlanda:

  • This quasi-federal Spain, under the umbrella of the European Union, has been a conspicuous success over the past 25 years, seeing not only a big jump in national prosperity but wealth spread throughout the whole country for the first time in Spanish history.)

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