terça-feira, 7 de julho de 2015

Grécia (I): a incomensurabilidade



1. Gráfico muito elucidativo publicado pelo Royal Bank of Scotland: apesar de tudo os gregos reduziram substancialmente a despesa pública, muito mais do que os outros países - e com isso precipitaram uma colossal recessão interna, resultado da receita de austeridade da UE e IMF. Vale a pena recordar aqui o gráfico incluido em post anterior (aqui), do pib per capita ppp (preços constantes).

2. O grande "Não" dos gregos deixou muita gente apoplética, e não só os políticos europeus. Na SIC Notícias, o comentador de serviço, José Gomes Ferreira, não conseguia disfarçar uma incomodidade colossal. Em filosofia, chama-se a isso incomensurabilidade: claro que para ele é inconcebível o que os gregos fizeram - são uns burros inconscientes que não percebem nada de economia, pura e dura. Wittgenstein diria que são dois "language games" completamente diferentes. Incomensuraveis. 

3. Simon Wren-Lewis, professor de economia na Universidade de Oxford, mantem um dos blogs (mainly macro) mais influentes sobre macroeconomia, com enfase na europa. Cito de um dos post mais recentes, sobre os ideólogos da eurozona:
  • One of the charges frequently made against opponents of austerity in the Eurozone is that we are really seeking the failure of the whole Euro project. The opposite is nearer the truth. The problem for the Euro project is that it has become captured by an economic ideology, and austerity is that ideology’s principle weapon. A self-confident and mature Eurozone would be able to tolerate diversity, rather than trying to crush any dissent. A Eurozone captured by an ideology will insist there is but one path, and that the imperative of austerity is too important to accommodate democratic wishes. Pursuing that ideology has brought the Eurozone to the brink, where it is prepared to force out one of its uncooperative members. Critics of austerity are not trying to destroy to Eurozone, but save it from the grip of this self-destructive ideology.

Um dos pensamentos mais perturbadores sobre a crise na UE é precisamente a transformação da política em ideologia, com o argumento da inevitabilidade da solução da tecnocracia, com base na sua qualidade "científica" e técnica.
Parece estarmos a voltar onde já estivemos, e com resultados dramáticos. O comunismo argumentava que era uma "teoria científica" que promovia a tecnologia por "métodos científicos" e que organizava a sociedade de acordo com os mesmos métodos. O nazismo praticava a segregação racial e a eugenia seletiva com base em argumentos do mesmo tipo, e tentava mesmo proclamar a sua vocação imperial numa base (pseudo) cultural e filosófica. (Heidegger caíu estrondosamente nessas esparrela, que alimentou). Por isso ver renascer este tipo de pensamento, ainda por cima centrado em terras germanicas (mas não só) é muito perturbador.

4. Ontem apareceu uma entrevista muito interessante do francês Thomas Picketty (aqui), ilustrada com uma fotografia de 1954, precisamente com o ministro das finanças grego a assinar o perdão de METADE da divida alemã (foto reproduzida abaixo). Mas a tese de Picketty é ainda mais interessante:

  • Germany is the country that has never repaid its debts. It has no standing to lecture other nations.


Sem comentários: