segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Apresentação de CONHECIMENTO PESSOAL, de Michael Polanyi

É com especial gosto que anuncio a apresentação pública da minha tradução da principal obra de Michael Polanyi, publicada em 1958 com o título Personal Knowledge. Towards a post critical philosophy. A versão portuguesa é Conhecimento Pessoal, Para uma filosofia pós-crítica, e tem cerca de 450 páginas. Esta é a terceira obra de Michael Polanyi que traduzo, depois de ter publicado A dimensão tácita e O estudo do homem.
A apresentação tem lugar em workshop especializado integrado no congresso ALTEC 2013, uma primeira reunião de um ciclo sobre "Grandes pensadores e pensamentos sobre ciencia, tecnologia e desenvolvimento", próximo dia 28 de Outubro, no edificio da Alfandega do Porto, das 11:00 às 13:00 horas. Para mais informação sobre o programa e o ciclo de encontros, ver aqui.
A tradução desta obra foi uma aventura intelectual e uma descoberta pessoal, um projecto que nos ocupou intensamente durante um ano. Como referi na nota introdutória que escrevi para esta edição,

  • “traduzir um pensador como Polanyi passa por um processo íntimo de partilha de ideais e de vivências, de interiorização (indwelling) dos processos de exploração de ideias e competências associadas”, uma interpelação pessoal, uma “vocação” a que se procurou responder. 
O texto completo dessa nota de introdução pode ser visto aqui.
Esra edição é uma edição académica. Uma edição comercial estará disponível muito brevemente. No entretanto, aqui pode pedir o acesso a capítulos, para fins académicos.

Apesar da sessão estar integrada no ALTEC2013, o acesso a esta sessão é livre (embora sujeita a registo na entrada para a sessão).


domingo, 18 de agosto de 2013

Concorrência: pessoas e setores

O Expresso noticia (aqui) que o novo ministro da economia desconvidou um nome indigitado pelo seu antecessor para presidir á Autoridade da Concorrência. O homem seria irmão de alguém à frente de uma empresa eventuallmente sujeita a atenção especial da Autoridade nos tempos mais próximos. Os mais cáusticos dirão que os interessados na operação estiveram quase a conseguir pôr no lugar alguém potencialmente compreensivo para certos processos complexos de integração empresarial. Outros especularão sobre a limitada base de recrutamento para este tipo de funções, e sobre o que isso pode significar, quer sobre a base de apoio deste governo, quer mesmo sobre as elites da sociedade portuguesa em geral.
Parece que este ministro, e o seu partido, estão muito preocupados com questões de concorrencia e querem mostrar serviço:
  • "Temos a oportunidade para uma melhoria substancial na deteção e atuação eficaz em relação a este tipo de práticas comerciais" de "cumplicidade entre operadores em sectores com concorrência imperfeita ou limitada".
Acontece que essas práticas não são exclusivas de setores como as petroliferas ou telecomunicações. Acontece em quase todos os sectores onde o mercado é controlado por um número muito limitado de operadores como, por exemplo, ... o setor das cervejas. Quem por uma ou por outra razão lidou ou lida de perto com o setor não pode ficar indiferente às estranhas "fronteiras" entre marcas na distribuição, inclusivé inter fronteiras dentro da UE. Práticas de controlo territorial e termos contratuais duvidosos na distribuição não são desconhecidos. A complexa rede de participações sociais entre as empresas internacionais do setor favorece condições para mecanismos discretos e súbtis de controlo indirecto e "top down". A UE tem repetidamente denunciado e multado o setor durante os últimos anos. Por exemplo:
  • The European Commission has fined the Dutch brewers Heineken, Grolsch and Bavaria a total of €273 783 000 for operating a cartel on the beer market in The Netherlands, in clear violation of EC Treaty rules that outlaw restrictive business practices (Article 81). The Commission's decision names the Heineken group, Grolsch and Bavaria, together with the InBev group which also participated in the cartel. Beer consumption is around 80 litres per capita in The Netherlands. Between at least 1996 and 1999, the four brewers held numerous unofficial meetings, during which they coordinated prices and price increases of beer in The Netherlands. InBev received no fines as they provided decisive information about the cartel under the Commission’s leniency programme (aqui).
  • Today the Commission imposed fines totalling € 2.5 million on the two main brewery groups in France. The two groups are being fined for having taken part in an agreement aimed at establishing equilibrium between their integrated beer distribution networks in the away-from-home sector (hotels, restaurants and cafés) France. The agreement was also aimed at limiting the acquisition costs of drinks wholesalers. (aqui)
  • The European Commission welcomes the judgment by the European Court of Justice (Case C-3/06 P) dismissing in its entirety the appeal by Danone against the judgment of the Court of First Instance (CFI) of October 2005 and confirming that repeat offences by companies, even when many years in the past, should be taken into account when setting fines in competition cases. The original case concerned cartels operated on the Belgian beer market between 1993 and 1998. The Court upheld the fine of €42 412 500 as set by the CFI. This means that over 96 % of the Commission's fine on Danone and 97% of the Commission's fines on all cartel participants remain. (aqui)
Claro que as práticas se vão adaptando e mudando com os anos, procurando não se repetirem ostensivamente. Mas os mais cáusticos desconfiarão que meteram a raposa no galinheiro e dirão que as suas teses parecem confirmar-se. Outros dirão que esperam ser surpreendidos - especialmente no setor das cervejas - agora que um "insider" detém o poder.
Outros ainda dirão que isto de olhar para os gestores de grandes empresas como reservas para políticos de mãos limpas pode ter grandes problemas ... políticos.

2. Lembram-se das cervejas Cintra? Só queria atingir dez por cento do mercado nacional, mas ficou pelos 1% e um colapso empresarial ... Mas o empresário tinha grande experiencia e sucesso no setor (no Brasil, não cá ...) - por isso não se invoquem os tradicionais "erros de gestão" dos treinadores de bancada. Mais uma operador no mercado poderia ter significado mais concorrencia e beneficiado os consumidores finais. 
O que é aconteceu? Como se explica o desastre empresarial? Porquê tanto silencio à volta da história, especialmente na imprensa economica? Estou á espera que alguém faça a história crítica e independente do caso (que magnifica proposta para uma tese de doutoramento!...).
Entretanto aquela linda fábrica á margem da principal autoestrada deste país recorda todos os dias a quem por lá passa que nisto de concorrencia, ele há setores e ... setores. Um estranho e incómodo monumento á (falta de) concorrência.

sábado, 3 de agosto de 2013

Empreendedorismo: uma história transmontana



Para quem vai a Bragança e quer almoçar bem, o restaurante O Abel, em Gimonde, é uma das referências a não perder.
Mas o que me interessa aqui é a história da casa, descrita de forma exemplar numa das paredes da sala de entrada. É uma saga de empreendedorismo familiar que dispensa comentários, e que bem poderia constituir um caso de discussão para as minhas aulas, quer de gestão como de inovação.
As palavras falam por si (mesmo que a pontuação não seja uma perfeição, mas que se mantém na transcrição):

  • O restaurante O Abel nasceu a 1 de Abril de 1984, quando o senhor Abel e a sua esposa Clóris decidiram tentar mudar o rumo das suas vidas, naqueles tempos, difíceis. Ele camionista e ela doméstica já com quatro filhos, decidiram arriscar o pouco que tinham num pequeno negócio situado nesta aldeia, inicialmente serviam apenas petiscos, que se tornaram rapidamente famosos pelo seu sabor único, as tripas com feijão servidas na malga eram na altura o petisco mais prezado. Com a clientela a crescer decidiram arriscar noutros pratos, a escolha caiu nas carnes assadas condimentadas com especiais ervas aromáticas existentes na região, e tal como nos petiscos rapidamente se destacaram. Mais clientes eram sinónimo de novos horizontes, e a 1 de abril de 2001 abriram este novo espaço juntamente com os seus filhos, mantendo a essência, a humildade, o trabalho e o amor de uma família transmontana. A 20 de janeiro de 2009 receberam da Câmara Municipal de Bragança um Diploma de Mérito pela contribuição para a fixação económica na área rural do concelho e gastronomia local, pelo seu contributo para a qualidade da oferta gastronómica  e como estímulo à diferenciação positiva na atividade e no setor. Atualmente o Restaurante O Abel continua a ser a casa de ambiente familiar, rodeado pelas belas paisagens do Parque Natural de Montesinho onde pode deliciar-se com as melhores carnes transmontanas grelhadas na brasa.
  • O sucesso deste restaurante deve-se unicamente à dedicação de uma família e seus clientes.

Quatro notas:
1. Gimonde é um dos sítios mais quentes de Portugal, porventura ainda pior do que Mirandela. Mas o restaurante tem ar condicionado.
2. Esqueçam a famosa posta mirandesa. Peçam RODEÃO e depois contem como foi ... (Os agradecimentos ao artista Rodrigues da Fonte, de Bragança, pela sugestão)
3. Localização, pelo Google Maps (nova versão, mais um caso como o que tratei recentemente no meu outro blog (aqui)), vendo-se a zona urbana de Bragança á esquerda e Gimonde á direita. Ao fundo, terras de Espanha.


4. Registe-se a forma original de promover e anunciar bons vinhos transmontanos, a preços convidativos. As minhas recomendações: o mais barato, Montes Ermos, e um do mais caros, Trovisco.


quinta-feira, 4 de julho de 2013

E agora?

1. Até Peter Wise, o correspondente do FT em Lisboa, diz (aqui) que Portugal cumpriu quase todo o programa de consolidação fiscal definido pela troika:
  • Portugal has so far achieved about two-thirds of the fiscal consolidation required under the three-year bailout programme. 
embora reconheça que afinal pioramos e que entramos numa recessão profunda:
  • But the Organisation for Economic Co-operation and Development and other economists forecast that public debt is likely to peak at above 130 per cent national output by 2015, calling into question the sustainability of fiscal consolidation and the prospects of lifting the economy out of a deep recession. 

2. Ouvindo os oráculos europeus, em especial durante os últimos dias, parece ser um constante o argumento (ou ameça?) de que não continuar com o programa da troika deita a perder os sacrifícios de dois anos e os sucessos conseguidos. Só que não se compreende quais são esses sucessos - salvo o ter tentado cumprido acriticamente um programa louco de empobrecimento e desastre social em nome de uma experiência utópica de engenharia económico e social.
O poder europeu parece acima de tudo interessado em salvar a face, garantir que o seu diktat é cumprido (mesmo que os resultados sejam o desastre que se está a ver) e que as aparências de mantêm - e que a crise do euro afinal se vai ignorando e escondendo debaixo do tapete, na esperança de que se vá resolvendo por artes mágicas que dispensem a politica e vontade dos povos europeus.

3. Mas a carta de demissão de Vitor Gaspar acabou de vez com o mito, pelo menos o mito interno. O arquiteto das políticas internas de austeridade “custe o que custar” e o agente de confiança dos mentores europeus dessas políticas disse claramente, e sem margens para dúvidas, que afinal o rei vai nú e que tudo falhou, e que é preciso um novo ciclo. Perante isso a posição de Barroso e dos alemães parece ser, uma vez mais, elogiar os sucessos que o próprio Gaspar desmentiu categoricamente.
Que se veja, o único sucesso portugues foi cumprir acriticamente - e pior, ter agravado em muito o plano inicial de austeridade. Uma análise contrafactual sugere que estaríamos muito melhor no plano económico e financeiro se esse agravamento delirante não tivesse sido feito. Mas foi.

4. O roteiro salvador á nossa frente parece ser assim: aguentar até meados do próximo ano, acabar de cumprir o programa (“custe o que custar”), ficar livre da troika e encontrar a praia salvadora nos braços do BCE e dos mercados. Pelo meio anunciar ao mundo o “sucesso” do programa salvador e agradecer reconhecidos a esmola concedida.
Confesso não entender: cumprir o programa (entendido pela troika como incluindo os cortes adicionais propostos) significará implementar o programa dito ser de “reforma estrutural do estado” que implicará o tal corte dos 4 ou 5 mil milhões de euros, uma verdadeira bomba de recessão adicional que irá agravar ainda mais a espiral recessiva em que nos metemos. As consequências económicas, sociais e financeiras disso são previsíveis, e de certeza não serão boas. A situação vai ainda agravar-se mais com as consequências disso ao longo do resto deste ano e dos próximos anos. O acesso aos mercados, um quase mito hoje em dia, ficará ainda mais comprometido. O poder europeu pode ficar satisfeito, e até mesmo reconhecido, para com o “país cumpridor”, mas os mercados não vão nessa: no fim do programa as notações de rating das agencias internacionais não vão ser muito melhores do que as atuais - se é que não vão ser piores - e nessas condições só os especuladores irão investir na divida portuguesa, e a taxas de juro insustentaveis. Portugal ficará, na melhor das hipóteses, nas margens atribuladas e especulativas dos investidores em divida pública, afastado dos grandes operadores desses mercados (por causa da notação insuficiente de rating).
Não credito que os tais cortes dos 4 ou 5 mil milhões devam ser implementados nestas circunstâncias, nem que existam condições políticas e sociais minimas para isso, no caso de ser tentado. O único argumento é que isso abrirá depois a porta do BCE - embora ninguém saiba exatamente como e com que condições. Que eu compreenda, nada disso está garantido, e pelo meio continuaremos a destruir o país social e económico.

5. Claro que com a crise da coligação tudo fica ainda pior. E a viabilidade do tal roteiro salvador passa de precária a (quase) impossível.
Apesar dos seus custos óbvios, querer adiar ainda mais eleições que possam ser clarificadoras, será agravar ainda mais esses custos e tornar ainda mais problemático o desfecho disto tudo.


quinta-feira, 6 de junho de 2013

"Quando não temos o carácter para saber qual o caminho, alguém tem de nos o indicar"

1. Um magnifico deputado do PSD emitiu a sua opinião (ver noticia no Jornal de Negócios, aqui):
 “a análise crítica da coisa pública não pode ser só jurídica, tem que ser de ética, republicana e de bom senso. ... Se existe crime ou não, não sei. Mas quando se falha de forma tão estrondosa, há um caminho, o caminho da rua”.
“Falharam, e quem falha sai. ... Eles têm que sair, já deviam ter saído pelo próprio pé. ... Quando não temos o carácter para saber qual o caminho, alguém tem de nos o indicar”.
E ainda mais, quanto a experimentalismos económicos:
- "Quem perde ... porque decidiu fazer apostas baseados em algoritmos que pareciam o jogo da roleta, há mais que justa causa [para despedimento"
Considerações que se aplicam como uma luva ao atual governo, e que se poderiam mesmo considerar como adequadas á celebração do seu segundo aniversário. Perante o colossal falhanço das políticas e dos algoritmos neoliberais da austeridade, na realidade são afirmações muito certeiras. 

2. No entanto a opinião emitida pelo douto deputado não era sobre o governo da atual maioria, e desconfio que subscrevesse a aplicação dos seus doutos juizos a tal, embora a lógica da sua aplicação seja direta e imediata. Não, referia-se antes ao dito caso dos swaps - um caso que cada vez se mostra mais intrigante, e que cada vez mais assume contornos de obscuros ajustes de contas internos no PSD, entre facções rivais, e de propaganda demagógica do governo para tentar fazer passar uma imagem de "limpeza" e rigor que lhe falta em quase tudo.
Na realidade
- não se percebe, nem se explica, porque é que o caso aparece agora, sendo que era bem conhecido do governo desde a sua posse, e foi olimpicamente ignorado (tendo mesmo o risco potencial mais ou menos duplicado neste últimos dois anos).
- não se percebe, nem se explica, porque é que se fez (ou quer fazer) o resgate dos swaps agora, criando agora uma dívida real (quando na realidade era uma divida potencial), em vez de aguardar pelo seu pedido de resgate pelos bancos (o que parece não ter acontecido)
não se percebe, nem se explica, porque não foram publicados os relatórios de análise que o governo diz existir
não se percebe, nem se explica, porque é que há quem seja demitido e outros não (quer secretários de estado como gestores de empresas publicas)
não se percebe, nem se explica, porque é que os gestores dito terem sido demitidos acabaram por não sair (até agora)
não se percebe, nem se explica, porque é que foram escolhidos para fazer um relatório de avaliação crítica uma "boutique" de um grupo de amigos (das finanças), que tinham estado ligados á difusão dos ditos produtos "tóxicos".
Acresce que parece que o que se conhece das afirmações dos secretários de estado demitidos ainda nos deixa mais perplexos, conhecendo-se a qualidade e a carreira profissional de alguns. A discussão pública deste assunto promete - a ver vamos o que vai ser esclarecido. Incluindo as razões técnicas (ou não) que levaram tantos gestores de empresas públicas a serem tão "estúpidos" e "negligentes" na avaliação de riscos, como nos estão a fazer crer. Estranhamente, quase tudo gente qualificada do PSD. Aqui parece haver gato escondido com o rabo de fora ...


domingo, 5 de maio de 2013

Fora de serviço?


E, de repente, parece que os POS do Multibanco deste país estão todos a ficar fora de serviço nos restaurantes portugueses. Parece que nos cabeleireiros está também a aparecer uma epidemia semelhante. Fazendo algumas perguntas, rápidamente se conclui que ninguém espera que as maquinetas recuperem a saúde a curto prazo, ou mesmo médio prazo. Mas afinal as maquinetas estão bem, obrigado, e de boa saúde. O problema é outro.
Na realidade está em curso um colossal retrocesso da economia baseada nas transferencias digitais de dinheiro, ao nível dos consumidores finais. Depois do sucesso que foi a adopção dos meios electrónicos de pagamento em Portugal, está a dar-se a sua rejeição maciça pelos pequenos negócios e empresas, ou seja, nas transacções de mais baixo valor.
Na grande distribuição, um dos operadores já tinha tomado medidas radicais há alguns meses. Mas agora começa a ser difícil ir a um restaurante, ou a um cabeleireiro, e conseguir pagar com multibanco ou visa (ou mastercartd, ou ...). Estamos a regressar á economia do metálico, do cash, das notas e das moedas.
O processo, em curso, de liquidação dos pequenos operadores da restauração, tem duas causas importantes, para além da regressão do consumo no ambiente de crise. Uma é o brutal aumento do IVA, que foi quase todo (ou mesmo mais do que todo ...) a abater diretamente á margem do setor. O outro chama-se SIBS e as comissões verdadeiramente obscenas com que espolia os pequenos empresários e pequenas empresas.
Uma transação Visa tem uma comissão de cerca de 4 a 5% para um pequeno restaurante. Mas uma transação Multibanco tem uma taxa de quase 2% (!!!!!!). Ambas são gritantes exageros, só possíveis pelo regime de monopolio em que a SIBS opera. (Recorde-se que a única tentativa de interferir com esse monopólio foi feita pelo malfadado BPN).
Se se considerar que não há qualquer risco de crédito numa transação multibanco (operações a débito direto), e o baixo custo operacional de cada transação, é facil compreender o espantoso negócio que são as comissões sobre as operações multibanco de baixo valor. E como as "economias de escala" podem aqui ser importantes: as comissões dos grandes operadores, mesmo na restauração, podem ser 2 a 4 vezes inferiores ás de um pequeno operador. Ser pequeno tem hoje em dia um preço enorme, neste país. Com a margem "comida" pelo IVA, num mercado com uma procura a diminuir, evitar a comissão das transações electrónicas tornou-se uma necessidade imperiosa.
Os consumidores portugueses e as pequenas empresas portuguesas estão a pagar uma pesada fatura pela falta de concorrencia á SIBS, com uma baixa produtividade cuidadosamente protegida pela banca, o que criou um mercado fechado nas transferencias electrónicas de dinheiro. É por isso que sinto nauseas quando vejo o presidente da SIBS, que vive cómodamente instalado num mercado protegido e sem concorrência, a falar com enlevo sobre as ideias liberais. Ainda por cima o homem é conselheiro de Estado (!). Gostaria muito de o ver a gerir um restaurante popular (de preferencia sendo também o empresário).

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Ó meninos, sejam frugais! Claro que aguentam ...

Ó meninos, sejam frugais!
Esta retórica em defesa da frugalidade esconde um elitismo repugnante.
A trágica exibição do homem do BPI, ontem na Assembleia da República, há-de ficar para a história como mais um insulto aos clientes e aos pequenos accionistas do banco, mostrando uma vez mais que o homem simplesmente não tem espessura nem qualidade para o lugar que ocupa (dramas das sucessões muito cuidadosamente geridas ... no BCP o resultado não terá sido melhor ... ) .

Claro que aguentamos.
Claro que houve quem aguentasse (frugalmente) os campos de concentração alemães, os goulags sovieticos, os killings fields do kmhers vermelhos do Cambodja, e outros casos tristemente semelhantes. Mas argumentar com esse facto, ignorando todos os que soçobraram pelo caminho, é simplesmente perverso e inaceitável.
Mas os discursos dessas personalidades (o homem do BPI, a senhora do Banco da Fome, ...) mais não são do que partidarizar ideologicamente serviços socialmente transversais, colando-se directamente ao discurso neoliberal do governo e à sua narrativa pró-empobrecimento "custe o que custar". É que é sempre útil e conveniente estar do lado do poder ...
Agora o banco não se pode admirar se muitos dos seus clientes se acharem insultados e (frugalmente) optarem por não ter lá mais as suas contas bancárias. Até talvez não as tenham lá agora - mas pode ser que no futuro, quando numa volta da economia os bancos se tornarem a lembrar dos seus ex-queridos clientes - esses queridos clientes se lembrem ainda que o banco pode (frugalmente) continuar a viver sem os seus ativos ou créditos. Muitos não o vão esquecer tão cedo.

Por falar nisso: o homem do BPI e os seus colegas também não aguentariam sem os colossais bonus de gestão com que têm sido premiados?  E será que devolveram alguma coisa desses prémios de gestão quando os fabulosos investimentos sem risco em divida soberana feitos pelo BPI degeneraram e deram milhões de prejuízos aos accionistas? Ou quando iam dando cabo do banco nessa trapalhada que foi a burlesca tentativa de compra do BCP (lembram-se)?. Os (maus) resultados do BPI falam por si - e não são só consequência da crise internacional do sistema financeiro:

Cotação das acções do BPI (2007-2013)
Aspirar por uma melhor qualidade de vida é legitimo, é o motor e a justificação do desenvolvimento social, e os governos servem precisamente para ajudar a viabilizar isso - não para deliberadamente empobrecer o pais. Políticas de deliberado empobrecimento do país são uma traição ao eleitorado. Inevitaveis? Não necessáriamente. Mesmo no meio da maior tormenta, é a esperança e o direito a melhores dias que motiva uma sociedade - não o discurso ideológico do castigo á função publica e aos trabalhadores poucos produtivos. O discurso do viver "acima das possibilidades" é umm insulto confrangedor a todos os que têm tentado melhorar a sua qualidade de vida - inclusive pela via do crédito.

É viver acima das possibilidades ambicionar por uma casa a crédito, mesmo que o orçamento seja curto? Claro que se podia ter continuado a viver (frugalmente) em enxovias, em ilhas e noutras condições, em apartamentos sem elevadores e outras facilidades "modernaças" ...
Claro que se podia continuar a viver (frugalmente) sem carro nem televisão.
E (frugalmente) sem máquinas de lavar e frigorificos, e outros electrodomésticos.
E também é claro que podem continuar a viver (frugalmente) sem férias em hoteis e viagens aqueles sitios a que só os outros tinham o dinheiro e o direito a ir.
Concerteza que se pode viver (frugalmente) sem cartões de crédito e facilidades de crédito ...
E também se pode viver (frugalmente) sem tanta educação, com menos cursos e menos doutores e engenheiros. Para quê um curso (o tal bife de vaca) se se pode viver (frugalmente) com o básico, ou, seja, o secundário (as batatas, vá lá - o franguito)?
E para quê tanto cimento, tantas (boas) (auto) estradas, se se pode viver (frugalmente) com a estradas antigas, ou mesmo sem estradas, e (frugalmente) sem tantos automóveis de gente que os comprou com sacrificio e depois se vê á rasca para os pagar ...
Para quê tanta coisa, se também se pode viver (frugalmente) com metade das pensões e reformas, ou mesmo até com menos. Meio século para trás e quase que nada dessas modernices de pensões e subsidios existiam ... e sobreviveram ...
Para quê hospitais publicos bons e bem equipados, se se pode viver (frugalmente) sem isso?

Não perceber isto é simplesmente não compreender a política - e a vida.
Infelizmente há em Portugal, e na Europa, quem não o compreenda.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Mitos e realidades de um (não) regresso aos mercados

Faz sentido este dito "regresso aos mercados"? A perplexidade da opinião púbica é manifesta: "então de repente isto passou a ser uma maravilha e acabaram os problemas? isto é um sucesso?".

Na frente interna, que depende deste governo, a situação é hoje bem pior do que era quando foi assinado o memorando com a troika:
- a divida aumentou, em valor absoluto e % PIB
- o deficit mantém-se muito acima dos 3% (mesmo acima do dobro, sem operações extraordinárias)
- a recessão continua (crescimento negativo e acima do previsto)  e acentuou-se, tendo-se entrado numa espiral recessiva
- o desemprego explodiu e não tem perspetivas de redução a curto prazo
- as metas internas nunca foram cumpridas, antes pelo contrário - este é um governo que perdeu a credibilidade interna
- as perspetivas a curto e médio prazo são muito sombrias quanto a crescimento e estabilidade social a curto e médio prazo
- mesmo o tão apregoado "sucesso" so equilíbrio da balança comercial é ilusório e instável, consequência da brutal quebra de consumo interno e do investimento público e privado - aos primeiros sinais de retoma inevitavelmente inverter-se-á (a menos que os portugueses nunca mais mudem de carro, televisores, frigorificos, ... e que as empresas portuguesas deixem de comprar novos equipamentos ... algo como tem acontecido em Cuba!)

Logo o risco interno (endogeno da economia portuguesa) é hoje em dia bem pior do que era há dois anos e com perspetivas ainda mais sombrias. Portanto o risco interno aumentou - logo a taxa de juro a médio e longo prazo devia por isso estar a aumentar e não a diminuir.
Se está a diminuir é porque esse aumento do risco interno é percebido como pouco relevante a médio prazo - porque o risco fundamental é externo a Portugal e depende em 80%, 90%, ou mesmo mais, das políticas globais da zona euro e da UE, praticamente exógenas á economia portuguesa. E essas sim, têm mudado e com isso também a avaliação do risco se alterou dramáticamente - em especial com as posições e intervenções do BCE. Se Portugal pode hoje fazer estes tipo de operações é porque essa componente exógena se alterou favoravelmente - sem, como é publico e notório, que para isso o governo se tivesse seriamente empenhado ou lutado por isso.

Mas esta aparente vitória do governo, é na realidade uma derrota:
1. Foi feita em condições bem piores do que podia muito bem ser: se não fosse o colossal falhanço das políticas deste governo, as perspetivas da economia portuguesa não seriam tão sombrias, e o risco interno seria menor, para um mesmo risco externo, e provavelmente teríamos conseguido uma taxa de juro marginalmente mais favoravel. Tivesse a política dos últimos dois anos sido de "austeridade inteligente" e não de bruta "austeridade custe o que custar", com enormes sacrificios inúteis (de pouco ou nada serviu o corte dos subsidios em 2012 perante o colapso que criou na procura interna e que agravou o deficit, a dívida e o desemprego, tudo exatamente ao contrário do que o governo anunciava) e o regresso aos mercados teria sido mais proveitoso para os portugueses.
2. Segundo, se o governo se tivesse empenhado seriamente em mudanças no posicionamento europeu perante a "austeridade custe o que custar", o risco externo poderia ser porventura algo menor. Mas o governo nunca soube / quiz fazer isso.
3. Há ainda a questão da sindicância da operação: porquê e para quê? Afinal nem o governo parece acreditar que exista uma genuina procura pela dívida portuguesa, e não arrisca ir ao mercado sem uma (muito cara) rede de segurança. A sindicância da operação é uma contradição manifesta com a retórica da propaganda do governo, e serviu (uma vez mais) para passar para a banca uns bons milhões de euros (provavelmente dezenas de milhões de euros)

Mas há que ser realista: esta operação é uma gota de água nas necessidades de financiamento da economia portuguesa durante este e próximos anos, e não significa que Portugal possa a partir de hoje colocar divida no mercado sem problemas. O governo esforça-se por sugerir isso - mas a realidade é diferente.
Tão diferente que ao mesmo tempo que anuncia exultante este dito "sucesso" (como seu), o governo teve mesmo que pedir mais tempo á troika. Se Portugal tivesse mesmo genuinamente "regressado aos mercados", não teria precisado deste pedido desesperado de mais tempo - depois do próprio governo ter sistematicamente dito que não queria nem precisava disso.

Até no caso da Grécia, as taxas de juros de financiamento têm estado também em queda acelerada, apesar de continuarem a níveis superiores ás de Portugal, mas que uma vez mais mostram a influencia decisiva do risco externo sobre o risco interno, nas circunstancias atuais da zona euro.
A crise portuguesa é acima de tudo uma vítima da crise do euro e da Europa (ao contrário do que o propalado embuste da narrativa do "gastamos acima do que devíamos" sugere). Ora os mercados parece terem por adquirido que isso de deixar cair a Grécia era afinal "bluff" e que mesmo em condições extremamente negativas e sem perspetivas (como continua a acontecer na Grécia), afinal o centro não deixou cair a periferia. Juntem-se as medidas positivas do BCE e o cenário do risco externo alterou-se radicalmente. Graças a Deus que podemos tirar algum partido disso agora. Pena é que não passamos tirar ainda melhor partido disso.
Na realidade a cosmética disto tudo parece ter objetivos tanto externos (BCE, criando condições para poder auferir de um apoio muito maior do mesmo BCE, logo "fora dos mercados", paradoxalmente por já não estar "fora dos mercados"), como internos (propaganda, nas vésperas de querer definir os tais 4 mil milhões de cortes que irão provavelmente acentuar ainda mais a espiral recessiva em que nos meteram).

sábado, 12 de janeiro de 2013

Muito elucidativo: Angelo Correia dixit ...

1. Liguei a televisão e na TVI24 falava o anterior patrão (e mentor?) do atual primeiro ministro: Angelo Correia. Também anterior mentor de Luis Filipe Menezes, quando este pensava que tinha capacidade para liderar o PSD (e pelos vistos Angelo Correia também pensava que Menezes tinha essa capacidade).
Primeiro fiquei surpreendido. Pus a gravar. Depois compreendi que a entrevista talvez seja muito significativa, por aquilo que mostra de divergencias internas no PSD, de total esgotamento da credibilidade do governo e das políticas que tem seguido e do crescente afastamento de importantes barões do PSD relativamente a este governo. Basta atentar no que ele diz sobre a posição perante a Europa, sobre Durão Barroso e sobre o governo (e implicitamente sobre Passos Coelho).
Parece que já há muita gente a achar que é preciso saltar do barco, porque o naufrágio completo da política da austeridade na UE e em Portugal parece cada vez mais claramente visivel.

2. Extratos da entrevista, a propósito do famigerado relatório do FMI e das mais recentes declarações do primeiro ministro:
...
Como é que é humanamente possível despedir 50 ou 100 mil pessoas em Portugal?
Se chegarmos a esse ponto (despedir essas pessoas porque não há dinheiro), então se chegarmos a esse ponto temos que ir á Europa a sério, e deixarmos de ser bons alunos e passarmos a ser antes reclamantes.
Se isso acontecer, temos que deixar de ser bons alunos. Ser bons alunos pode ter vantagens, mas tem uma desvantagem enorme: passam a olhar para nós como conformistas.
...
Perante isto (despedir ou não cumprir com a troika) não devemos optar pela primeira opção, mas sim confrontar os lideres europeus com o falhanço das ideias e políticas deles.
Na UE, somos irmãos deles. É assim que tratam dos irmãos? É a angustia de descobrirmos que estamos ligados a uns cavalheiros e a uns Estados que têm por nós uma consideração nula.
...
Como é que isso é possível? Aumentar 100 mil familias ao desemprego? Não podemos. O risco pior que corremos é pôr mais essas 100 mil familias no desemprego, não é não cumprir com a troika.
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(Temos que) rejeitar aquilo que o Dr Durão Barroso cinicamente anda a dizer, quando vem a Portugal, de que os Governos é que querem fazer isso (a austeridade), que não é uma imposição deles (UE). Como se ele, coitadinho, possa lavar as mãos, como Poncio Pilatos, de tudo aquilo que a Europa nos anda a fazer hoje em dia: é uma indecencia política e uma falta de honestidade. É totalmente uma falta de respeito para com o país. Não é crível, verdade ou sério dizê-lo. Há coisas que não são entendíveis!.
Este momento histórico também serve para outra coisa: perceber como se comportam algumas pessoas.
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O governo é totalmente omisso na visão estratégica. Politica e moralmente, o governo é obrigado a dizer-nos qual o rumo e a estratégia que pensa para o país. O governo tem que ter uma estratégia nacional. E não tem.