O comissário Carlos Moedas apresentou o relatório de Pascal Lamy numa sessão plenária do recente Ciencia'17, poucos depois da sua apresentação oficial em Bruxelas.
Trata-se de um relatório com onze recomendações sobre a política de I&D e o seu financiamento pela UE, logo propostas de diretrizes para o próximo programa quadro.
Carlos Moedas apresentou-o com a (boa) qualidade retórica e de enquadramento a que nos habituou, recordando até o papel de um português no grupo geograficamente distribuído de pensadores que marcaram o século XIX e que estruturaram os fundamentos da nossa cultura cientifica e de uma sociedade em que o conhecimento da ciência e a força do pensamento se tornaram centrais para a definição de políticas públicas e o funcionamento da sociedade. A discussão era então aberta (entre eles e com a sociedade), não condicionada por citações melhor ou pior indexadas, pela publicação numa "cidadela fortificada" de publicações "politica e cientificamente corretas": a discussão critica baseava-se na discussão entre humanos e sobre o valor intrínseco das ideias em cima da mesa. Os exemplos que Carlos Moedas referiu até sugerem um grupo de recomendação mútua de pensadores (que sabemos ter existido) - mas isso era, e é, muito diferente do atual sistema de "peer review" que condiciona e limita a imaginação e ousadia dos cientistas e pensadores. E, por consequência, o desenvolvimento da sociedade.
Para além da recomendação de aumentar (duplicar) os fundos I&D na UE, muitas das outras recomendações parecem óbvias para um observador comum. Na realidade, serão mesmo muito óbvias e de simples bom senso dentro do quadro atual do pensamento de políticas públicas para o desenvolvimento económico e social:
- promover ecosistemas colaborativos de investigadores, inovadores, indústrias e governos e dar prioridade a ideias inovadoras com potencial de rápido "scale-up" (através de um (novo) "European Innovation Council")
- modernizar, incentivar e dotar de recursos o sistema de educação e treino para uma Europa criativa e inovadora
- fundamentar as políticas de I&D nos objetivos e impactos propostos, afinar melhor os sistema de avaliação de propostas e aumentar a sua flexibilidade (entenda-se: sair do ciclo fechado das publicações indexadas como a métrica essencial das atividades de R&D)
- mobilizar as redes de investigadores, inovadores e outros atores do sistema societal para grandes missões europeias de inovação e investigação
- racionalizar e simplificar o sistema de financiamento de I&D da UE e promover sinergias entre os vários programas, esquemas e instrumentos comunitários, para ter a ambição de tornar o financiamento da EU na fonte de financiamento de I&D mais atrativa do mundo
- melhorar o alinhamento entre os programas comunitários e os programas nacionais sempre que isso reforce o valor das ambições e missões de I&D na UE e tornar a cooperação internacional uma marca fundamental dos programas comunitários de I&D, incluindo o cofinanciamento (nacional e comunitário) de iniciativas.
- comunicar melhor os resultados e impactos dos projetos comunitários de I&D.
Sejamos razoáveis: tudo isto é razoavelmente trivial e óbvio. Há muito pouco de inovador nestas ideias. Mas isso não lhes retira nem importância nem oportunidade: apenas reconhece que a máquina da politica atual de I&D da UE tem avançado pouco naquilo que deveria ser e que o próximo quadro pode, e deve, ser uma oportunidade de corrigir problemas da tradicional abordagem "bruxelesa".
Das onze recomendações há apenas uma que tem a ver com horizontes novos e diferentes, embora não necessariamente originais: a recomendação #8 fala em mobilizar e envolver os cidadãos, estimulando a sua participação no projeto e nos processos criativos - especialmente na afinação do projeto das tecnologias (uma co-criação social), diria eu, seguindo as ideias de democracia e racionalidade tecnológicas argumentadas por Andrew Feenberg, mas também incluindo o envolvimento societário no "fazer ciência" - ciência para além dos "cientistas" (profissionais) (ver aqui, por exemplo).
Na introdução ao relatório, Pascal Lamy fala em conseguir chegar (e envolver) um público cada vez mais vasto. Numa alusão feliz, mas indireta e provavelmente inconsciente, refere-se ao papel da experiência e da prática no conhecimento (logo na I&D) e fala em considerar a sociedade como um "laboratório vivo de soluções inovadoras para os múltiplos desafios da Europa", em que a participação de todos os atores, privados e públicos, com ou sem fins lucrativos, é precisa e necessária.
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