quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Mitos e realidades de um (não) regresso aos mercados

Faz sentido este dito "regresso aos mercados"? A perplexidade da opinião púbica é manifesta: "então de repente isto passou a ser uma maravilha e acabaram os problemas? isto é um sucesso?".

Na frente interna, que depende deste governo, a situação é hoje bem pior do que era quando foi assinado o memorando com a troika:
- a divida aumentou, em valor absoluto e % PIB
- o deficit mantém-se muito acima dos 3% (mesmo acima do dobro, sem operações extraordinárias)
- a recessão continua (crescimento negativo e acima do previsto)  e acentuou-se, tendo-se entrado numa espiral recessiva
- o desemprego explodiu e não tem perspetivas de redução a curto prazo
- as metas internas nunca foram cumpridas, antes pelo contrário - este é um governo que perdeu a credibilidade interna
- as perspetivas a curto e médio prazo são muito sombrias quanto a crescimento e estabilidade social a curto e médio prazo
- mesmo o tão apregoado "sucesso" so equilíbrio da balança comercial é ilusório e instável, consequência da brutal quebra de consumo interno e do investimento público e privado - aos primeiros sinais de retoma inevitavelmente inverter-se-á (a menos que os portugueses nunca mais mudem de carro, televisores, frigorificos, ... e que as empresas portuguesas deixem de comprar novos equipamentos ... algo como tem acontecido em Cuba!)

Logo o risco interno (endogeno da economia portuguesa) é hoje em dia bem pior do que era há dois anos e com perspetivas ainda mais sombrias. Portanto o risco interno aumentou - logo a taxa de juro a médio e longo prazo devia por isso estar a aumentar e não a diminuir.
Se está a diminuir é porque esse aumento do risco interno é percebido como pouco relevante a médio prazo - porque o risco fundamental é externo a Portugal e depende em 80%, 90%, ou mesmo mais, das políticas globais da zona euro e da UE, praticamente exógenas á economia portuguesa. E essas sim, têm mudado e com isso também a avaliação do risco se alterou dramáticamente - em especial com as posições e intervenções do BCE. Se Portugal pode hoje fazer estes tipo de operações é porque essa componente exógena se alterou favoravelmente - sem, como é publico e notório, que para isso o governo se tivesse seriamente empenhado ou lutado por isso.

Mas esta aparente vitória do governo, é na realidade uma derrota:
1. Foi feita em condições bem piores do que podia muito bem ser: se não fosse o colossal falhanço das políticas deste governo, as perspetivas da economia portuguesa não seriam tão sombrias, e o risco interno seria menor, para um mesmo risco externo, e provavelmente teríamos conseguido uma taxa de juro marginalmente mais favoravel. Tivesse a política dos últimos dois anos sido de "austeridade inteligente" e não de bruta "austeridade custe o que custar", com enormes sacrificios inúteis (de pouco ou nada serviu o corte dos subsidios em 2012 perante o colapso que criou na procura interna e que agravou o deficit, a dívida e o desemprego, tudo exatamente ao contrário do que o governo anunciava) e o regresso aos mercados teria sido mais proveitoso para os portugueses.
2. Segundo, se o governo se tivesse empenhado seriamente em mudanças no posicionamento europeu perante a "austeridade custe o que custar", o risco externo poderia ser porventura algo menor. Mas o governo nunca soube / quiz fazer isso.
3. Há ainda a questão da sindicância da operação: porquê e para quê? Afinal nem o governo parece acreditar que exista uma genuina procura pela dívida portuguesa, e não arrisca ir ao mercado sem uma (muito cara) rede de segurança. A sindicância da operação é uma contradição manifesta com a retórica da propaganda do governo, e serviu (uma vez mais) para passar para a banca uns bons milhões de euros (provavelmente dezenas de milhões de euros)

Mas há que ser realista: esta operação é uma gota de água nas necessidades de financiamento da economia portuguesa durante este e próximos anos, e não significa que Portugal possa a partir de hoje colocar divida no mercado sem problemas. O governo esforça-se por sugerir isso - mas a realidade é diferente.
Tão diferente que ao mesmo tempo que anuncia exultante este dito "sucesso" (como seu), o governo teve mesmo que pedir mais tempo á troika. Se Portugal tivesse mesmo genuinamente "regressado aos mercados", não teria precisado deste pedido desesperado de mais tempo - depois do próprio governo ter sistematicamente dito que não queria nem precisava disso.

Até no caso da Grécia, as taxas de juros de financiamento têm estado também em queda acelerada, apesar de continuarem a níveis superiores ás de Portugal, mas que uma vez mais mostram a influencia decisiva do risco externo sobre o risco interno, nas circunstancias atuais da zona euro.
A crise portuguesa é acima de tudo uma vítima da crise do euro e da Europa (ao contrário do que o propalado embuste da narrativa do "gastamos acima do que devíamos" sugere). Ora os mercados parece terem por adquirido que isso de deixar cair a Grécia era afinal "bluff" e que mesmo em condições extremamente negativas e sem perspetivas (como continua a acontecer na Grécia), afinal o centro não deixou cair a periferia. Juntem-se as medidas positivas do BCE e o cenário do risco externo alterou-se radicalmente. Graças a Deus que podemos tirar algum partido disso agora. Pena é que não passamos tirar ainda melhor partido disso.
Na realidade a cosmética disto tudo parece ter objetivos tanto externos (BCE, criando condições para poder auferir de um apoio muito maior do mesmo BCE, logo "fora dos mercados", paradoxalmente por já não estar "fora dos mercados"), como internos (propaganda, nas vésperas de querer definir os tais 4 mil milhões de cortes que irão provavelmente acentuar ainda mais a espiral recessiva em que nos meteram).

sábado, 12 de janeiro de 2013

Muito elucidativo: Angelo Correia dixit ...

1. Liguei a televisão e na TVI24 falava o anterior patrão (e mentor?) do atual primeiro ministro: Angelo Correia. Também anterior mentor de Luis Filipe Menezes, quando este pensava que tinha capacidade para liderar o PSD (e pelos vistos Angelo Correia também pensava que Menezes tinha essa capacidade).
Primeiro fiquei surpreendido. Pus a gravar. Depois compreendi que a entrevista talvez seja muito significativa, por aquilo que mostra de divergencias internas no PSD, de total esgotamento da credibilidade do governo e das políticas que tem seguido e do crescente afastamento de importantes barões do PSD relativamente a este governo. Basta atentar no que ele diz sobre a posição perante a Europa, sobre Durão Barroso e sobre o governo (e implicitamente sobre Passos Coelho).
Parece que já há muita gente a achar que é preciso saltar do barco, porque o naufrágio completo da política da austeridade na UE e em Portugal parece cada vez mais claramente visivel.

2. Extratos da entrevista, a propósito do famigerado relatório do FMI e das mais recentes declarações do primeiro ministro:
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Como é que é humanamente possível despedir 50 ou 100 mil pessoas em Portugal?
Se chegarmos a esse ponto (despedir essas pessoas porque não há dinheiro), então se chegarmos a esse ponto temos que ir á Europa a sério, e deixarmos de ser bons alunos e passarmos a ser antes reclamantes.
Se isso acontecer, temos que deixar de ser bons alunos. Ser bons alunos pode ter vantagens, mas tem uma desvantagem enorme: passam a olhar para nós como conformistas.
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Perante isto (despedir ou não cumprir com a troika) não devemos optar pela primeira opção, mas sim confrontar os lideres europeus com o falhanço das ideias e políticas deles.
Na UE, somos irmãos deles. É assim que tratam dos irmãos? É a angustia de descobrirmos que estamos ligados a uns cavalheiros e a uns Estados que têm por nós uma consideração nula.
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Como é que isso é possível? Aumentar 100 mil familias ao desemprego? Não podemos. O risco pior que corremos é pôr mais essas 100 mil familias no desemprego, não é não cumprir com a troika.
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(Temos que) rejeitar aquilo que o Dr Durão Barroso cinicamente anda a dizer, quando vem a Portugal, de que os Governos é que querem fazer isso (a austeridade), que não é uma imposição deles (UE). Como se ele, coitadinho, possa lavar as mãos, como Poncio Pilatos, de tudo aquilo que a Europa nos anda a fazer hoje em dia: é uma indecencia política e uma falta de honestidade. É totalmente uma falta de respeito para com o país. Não é crível, verdade ou sério dizê-lo. Há coisas que não são entendíveis!.
Este momento histórico também serve para outra coisa: perceber como se comportam algumas pessoas.
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O governo é totalmente omisso na visão estratégica. Politica e moralmente, o governo é obrigado a dizer-nos qual o rumo e a estratégia que pensa para o país. O governo tem que ter uma estratégia nacional. E não tem.