Tiro o chapéu aos comentário de José Gomes Ferreira no Expresso Online (
aqui) acerca do ultimo anuncio do primeiro ministro:
estas medidas anunciadas traduzem-se numa manifesta transferencia de riqueza das familias para o grande capital, e não resolvem nenhum problema estrutural da economia portuguesa.
A questão que ele coloca sobre "para onde vão os 7% adicionais de descontos dos trabalhadores?" é mais do que pertinente - e não se consegue perceber (sem mais explicações) como é que por essa via o dinheiro vai parar ao Orçamento de Estado e, por consequencia, resolve os problemas do deficit público.
Nicolau Santos propõe também uma boa análise da situação (
aqui) e conclui:
- O atual colapso da economia portuguesa não é apenas resultado de erros acumulados no passado. Resulta também da orientação económica que tem vindo a ser seguida. As medidas ontem anunciadas insistem no mesmo caminho. É pouco inteligente pensar que os resultados serão diferentes.
A explicação tentada pelo primeiro ministro (afinal o aumento de desemprego não é consequência das políticas de austeridade, mas sim da falta de financiamento às empresas) é chocante pela irresponsabilidade política que demonstra. Afinal a culpa é só dos bancos (onde o Estado aliás tem um papel importante)! Que a procura agregada tenha caído a pique, e com ela as receitas fiscais, e também o investimento, e que o acesso ao financiamento tenha (pelo menos em parte) sido também por isso limitado, é completamente ignorado. O que diz muito sobre a honestidade e/ou competencia do primeiro ministro e do governo, ou então sobre o seu enviesamento ideológico. Há muito que se sabe que políticas de austeridade em climas depressivos criam espirais recessivas - basta reler o que se escreveu sobre as teorias do "trade cycle" nos anos trinta e quarenta do século passado. Quem ignora isso não se pode depois vir a queixar das consequências desastrosas - como as que estamos a sofrer.
As políticas neoliberais e anti-sociais arriscam-se a destruir o Portugal reconstruido nos últimos quarenta anos. As desculpas da austeridade não passam de uma cobertura de natureza ideologica para a incapacidade política em defender os interesses nacionais no seio da EU.
Já repararam que apesar de tudo a Espanha ainda não pediu resgate nenhum e que as taxas de juro da sua divida soberana estão a baixar? Será muito interessante observar os próximos desenvolvimentos relativamente às políticas de compra de divida publica anunciados pelo BCE - ao fim e ao cabo, a UE e a Espanha sabem que o colapso de Espanha será inevitavelmente o colapso do euro, inclusive para os países do Norte da Europa.
A ideia de que empobrecer as familias é criar condições de sucesso para o sector privado, e daí para o sucesso do país, tem infelizmente batido contra a parede da evidencia empírica (mesmo fora da zona euro: veja-se o que está acontecer no Reino Unido). Mas o fervor ideologico tem razões que a razão desconhece. Quem diria que a direita ultrapassaria a tradicional capacidade de obsessão ideológica do PCP?
Update, 12 setembro:
Há um mes no Pontal anunciava-se com entusiasmo que em 2013 é que ia ser! Duas ou tres semanas depois anuncia-se que afinal para 2013 se antecipa uma recessão (-1%) e aumento de desemprego (16%). Isso não é uma recuperação da economia, é um agravamento do crise.
O anterior candidato a primeiro ministro (e agora primeiro ministro em exercicio) deu um ar do que ia acontecer quando em tempos viabilizou no parlamento uma ténues medidas de austeridade do anterior governo e depois veio pedir desculpa aos portugueses.
Agora anuncia desastrosas e desastradas medidas de austeridade de enorme violencia e depois vai-se queixar para as redes sociais e (mais ou menos) torna a pedir desculpas - uma atitude que não pode deixar de ser sentida por muitos portugueses como um insulto (ou pelo menos uma garotice) . A falta de estatura, pessoal e política, deste primeiro ministro começa a ser assustadora.