1. Em meados dos anos 90 conheci de perto o caso de um administrador de uma empresa importante cotada no mercado de capital. Num daqueles almoços de cativação de clientes empresariais relevantes, um quadro de topo do BES conseguiu convencer também esse administrador a fazer uma aplicação pessoal, da ordem de meio milhão de euros, num serviço de gestão discricionária.
Recordo ainda a cara de horror desse administrador quando passados uns tempos descobriu que tinha perdido cerca de 20% do capital investido e que lhe tinham aplicado o seu dinheiro em produtos financeiros ... do próprio GES / BES. Não é por acaso que me tenho lembrado deste caso nas ultimas semanas.
2. Há menos de três meses, o BES publicou e distribuiu o numero 37 do valorBES, a newsletter dos acionistas do BES, relativo ao mês de Maio de 2014, onde se faz uma análise ao exercício de 2013. O editorial é assinado por Ricardo Salgado, acompanhado da sua fotografia e assinatura. O tom laudatório do texto segue a retórica habitual desta literatura, mas algumas passagens soam hoje a uma profunda hipocrisia, escassas dezenas de dias depois de terem sido escritas. Por exemplo:
- A boa performance do Banco num índice de referencia mundial como é o Dow Jones Sustainability Index comprova que a estratégia de sustentabilidade é um elemento fundamental do modelo de negócio e da missão do Banco, refletindo uma gestão equilibrada e pautada por valores de solidez, rigor e transparência (itálicos da minha responsabilidade).
Noutra passagem fala da "rigorosa disciplina financeira que caracteriza o banco", da "gestão prudente do risco" e reclama com orguho que "em 2013, o BES integrou a lista das 100 empresas mais sustentáveis do mundo".
Se nos recordarmos que os problemas do BES têm origem no GES, cuja administração era largamente liderada pelas mesmas pessoas da família, e que as contas do GES terão vindo a ser friamente falsificadas durante anos (porventura de forma sofisticada e durante mais anos do que se diz), podemos perguntar agora o que é que pode também estar escondido nas contas de várias empresas emblemáticas do universo do GES (inclusivé companhias do sistema financeiro, como companhias de seguros relevantes em Portugal).
O BES colocava aos seus balcões dívida (papel comercial) do GES, cuja administração (só esses???) conheciam perfeitamente o risco associado a esses produtos devido ás contas manipuladas e aldabradas do universo GES, também por eles administrado. Aliás é de perguntar o que é que realmente sabiam sobre isso os quadros de topo do BES e do GES, inclusivé os que em simultaneo têm feito carreira política - por exemplo, o que sabia sobre isso Miguel Frasquilho, deputado, economista de serviço no PSD e lider da AICEP nomeado por este governo? Mas haverá outros ...
3. Sandro Mendonça (do ISCTE) escreveu no Expresso online um texto notável e corajoso, que se recomenda (aqui). No programa Expresso da Meia Noite (na SIC Noticias), Sandro Mendonça teve a coragem de dizer o que poucos têm tido coragem para dizer em público: que Vitor Bento, CEO do BES, continua com vínculo ao Banco de Portugal, o que coloca questões sobre as relações entre regulado e regulador. Parece óbvio que Vitor Bento simplesmente não quer correr o risco de perder esse vinculo, não vá o diabo tece-las. (Mendonça recordou que Vitor Bento recebeu durante anos prémios de desempenho no Banco de Portugal quando nem sequer estava ao serviço do Banco). Questões de ética ...
4. Entretanto o WSJ publicou ontem um artigo (aqui) que complementa bem o texto referido de Sandro Mendonça, e que faz perguntas pertinentes:
- Troubles at Espírito Santo International SA have rocked markets in southern Europe in recent days, but there were signs as early as 2012 that the Portuguese conglomerate was struggling, raising questions about why regulators didn't intervene earlier.
- The report included an opinion from auditor KPMG, dated September 2012, which warned that as of June 2012, the €666 million ($900 million) fund had invested about 87% of its value in commercial paper of Espírito Santo entities. The fund was marketed to clients of Banco Espírito Santo. The auditor also warned that given the debt was short term and there wasn't a market price available for it, the value of the investment was calculated based on the issuer's judgment. KPMG issued the same opinion in a report for the year ended December 2012.
- The Wall Street Journal questioned Bank of Portugal in November on whether clients of Banco Espírito Santo who invested in the fund, called ES Liquidez, were exposed to too much risk, and whether there was a conflict of interest in having a bank market a fund so exposed to debt of the bank's main holding company. A spokesman for the central bank said then the issues weren't "of responsibility of Bank of Portugal," adding the questions should be posed to the market's regulator. He, however, said the central bank was monitoring connections between banks and affiliates closely, and there were rules in place imposing restrictions on loans from banks to those affiliates.
- The International Monetary Fund, the European Union and the European Central Bank, lenders under Portugal's €78 billion, three-year bailout program that ended in May, also didn't raise any flags about possible problems with Espírito Santo International or the bank.