Esta retórica em defesa da frugalidade esconde um elitismo repugnante.
A trágica exibição do homem do BPI, ontem na Assembleia da República, há-de ficar para a história como mais um insulto aos clientes e aos pequenos accionistas do banco, mostrando uma vez mais que o homem simplesmente não tem espessura nem qualidade para o lugar que ocupa (dramas das sucessões muito cuidadosamente geridas ... no BCP o resultado não terá sido melhor ... ) .
Claro que aguentamos.
Claro que houve quem aguentasse (frugalmente) os campos de concentração alemães, os goulags sovieticos, os killings fields do kmhers vermelhos do Cambodja, e outros casos tristemente semelhantes. Mas argumentar com esse facto, ignorando todos os que soçobraram pelo caminho, é simplesmente perverso e inaceitável.
Mas os discursos dessas personalidades (o homem do BPI, a senhora do Banco da Fome, ...) mais não são do que partidarizar ideologicamente serviços socialmente transversais, colando-se directamente ao discurso neoliberal do governo e à sua narrativa pró-empobrecimento "custe o que custar". É que é sempre útil e conveniente estar do lado do poder ...
Agora o banco não se pode admirar se muitos dos seus clientes se acharem insultados e (frugalmente) optarem por não ter lá mais as suas contas bancárias. Até talvez não as tenham lá agora - mas pode ser que no futuro, quando numa volta da economia os bancos se tornarem a lembrar dos seus ex-queridos clientes - esses queridos clientes se lembrem ainda que o banco pode (frugalmente) continuar a viver sem os seus ativos ou créditos. Muitos não o vão esquecer tão cedo.
Por falar nisso: o homem do BPI e os seus colegas também não aguentariam sem os colossais bonus de gestão com que têm sido premiados? E será que devolveram alguma coisa desses prémios de gestão quando os fabulosos investimentos sem risco em divida soberana feitos pelo BPI degeneraram e deram milhões de prejuízos aos accionistas? Ou quando iam dando cabo do banco nessa trapalhada que foi a burlesca tentativa de compra do BCP (lembram-se)?. Os (maus) resultados do BPI falam por si - e não são só consequência da crise internacional do sistema financeiro:
Cotação das acções do BPI (2007-2013) |
É viver acima das possibilidades ambicionar por uma casa a crédito, mesmo que o orçamento seja curto? Claro que se podia ter continuado a viver (frugalmente) em enxovias, em ilhas e noutras condições, em apartamentos sem elevadores e outras facilidades "modernaças" ...
Claro que se podia continuar a viver (frugalmente) sem carro nem televisão.
E (frugalmente) sem máquinas de lavar e frigorificos, e outros electrodomésticos.
E também é claro que podem continuar a viver (frugalmente) sem férias em hoteis e viagens aqueles sitios a que só os outros tinham o dinheiro e o direito a ir.
Concerteza que se pode viver (frugalmente) sem cartões de crédito e facilidades de crédito ...
E também se pode viver (frugalmente) sem tanta educação, com menos cursos e menos doutores e engenheiros. Para quê um curso (o tal bife de vaca) se se pode viver (frugalmente) com o básico, ou, seja, o secundário (as batatas, vá lá - o franguito)?
E para quê tanto cimento, tantas (boas) (auto) estradas, se se pode viver (frugalmente) com a estradas antigas, ou mesmo sem estradas, e (frugalmente) sem tantos automóveis de gente que os comprou com sacrificio e depois se vê á rasca para os pagar ...
Para quê tanta coisa, se também se pode viver (frugalmente) com metade das pensões e reformas, ou mesmo até com menos. Meio século para trás e quase que nada dessas modernices de pensões e subsidios existiam ... e sobreviveram ...
Para quê hospitais publicos bons e bem equipados, se se pode viver (frugalmente) sem isso?
Não perceber isto é simplesmente não compreender a política - e a vida.
Infelizmente há em Portugal, e na Europa, quem não o compreenda.